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sábado, 31 de agosto de 2013

Cortiça













A Cortiça é um material de origem vegetal da casca (súber) dos sobreiros (Quercus suber), com grande poder isolante.
A primeira extracção da cortiça ocorre, normalmente, quando a árvore atinge entre 25 a 30 anos, sendo que a extracção ocorre nos meses de Junho a Agosto. Essa cortiça, por vezes com espessura considerável, recebe o nome de virgem e distingue-se substancialmente da cortiça de reprodução extraída nos períodos seguintes: é designada por secundeira na segunda tiragem e por amadia nas tiragens ou extracções subsequentes. A cortiça amadia é a de maior qualidade, sendo por isso a mais valorizada, e a única que pode ser utilizada para o fabrico de rolhas. A partir desta fase, a cortiça é extraída a cada nove anos.
Atualmente, a cortiça é uma matéria-prima nobre cuja utilização se estende a variadas utilizações como sejam os revestimentos de solos, os isolamentos (térmicos e acústicos), na fabricação de instrumentos musicais, em artigos de decoração, nos componentes para calçados e para o setor industrial de diversos segmentos automóvel, bebidas, construção, alvenaria, decoração, entre outros.
Portugal, com uma área de 730 mil hectares de montado de sobro, é responsável por mais de 50% da produção mundial de cortiça. Outros produtores são Espanha, sul da França, sul da Itália, mais recentemente Marrocos, Argélia, Tunísia.
O desenvolvimento tecnológico e a aplicação de novas técnicas, incluindo de gestão, levaram à integração vertical de algumas operações de transformação da cortiça.
A cortiça também já foi usada para o descobrimento da célula (somente para o descobrimento da palavra célula, pois o que o cientista viu, não era na verdade a célula). Em 1665, Robert Hooke utilizou finos cortes de cortiça e visualizou em seu microscópio algo parecido com "favos de mel", e deu-lhe o nome de cécula, jurando ter visto "a celula".

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Figos


O figo é um fruto que se caracteriza por ser uma boa fonte de fibras alimentares e potássio.
É um fruto altamente energético pois é rico em açúcar.
O figo seco é uma boa fonte de cálcio.
Antigamente, os figos eram um dos produtos da alimentação-base do alentejano rural. Não existe monte alentejano típico que não tenha junto ás suas paredes, pelo menos uma figueira, pois a sua enorme sombra protegia também as paredes do excesso de calor.
Além disso, a Figueira atraía a passarada, que os nossos antepassados adoravam apanhar para cozinhar. Portanto, esta árvore proporcionava sombra, frutos e petiscos todo o ano.
No Alentejo de outros tempos, a alcunha "Papa-Figos" era relativamente comum e geralmente aplicava-se a indivíduos magricelas que, devido á fome endémica, tinham um apetite voraz, comendo tudo o que se lhes aparecia pela frente...
É de se lhe tirar o chapéu, compadres....

Foto gentilmente cedida pelo compadre Francisco Marques.

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Alcáçovas (By Raphael, o Pensativo)














No dia 16JUN13, a Associação dos Amigos de Alcáçovas organizou um passeio pelas ruas da nossa vila. Estas são fotos do compadre Manuel Raphael  (o Pensativo), que participou ativamente neste evento e gentilmente cedidas por ele.

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Rocha dos Namorados

O Menir da Rocha dos Namorados ou Rocha dos Namorados localiza-se na freguesia do Corval, perto de Reguengos de Monsaraz.
Um menir, assim amigos meus, constituído por um bloco de granito natural, com cerca de dois metros de altura, ou mais de dois metros de altura, que apresenta uma forma semelhante à de um cogumelo, ou de um útero, com gravuras megalíticas do tipo “covinhas”, e o “chapéu”, ele sempre coberto por pequenas pedras soltas. 
Esta rocha, ela está associada a um secular rito pagão de fertilidade, que consiste, as meninas donzelas, elas em idade de contrair matrimónio, solteiras, vão a este rochedo consultar a rocha (como se de um oráculo se tratasse), para saberem quanto tempo ainda falta, quanto tempo ainda sobra, para seu doce casamento se consumar.
Vão a ele, Segunda-Feira de Páscoa, lançar uma pedra para cima do menir e consultá-lo, esperando boas-novas, se dirá, em matéria do seu casamento.
Cada lançamento falhado, amigos meus, a falta da pontaria, representa um ano de espera. E triste lá a sina, da menina, que o seu amado, o príncipe encantado, não se aproxima da menina.
Reza a lenda, assim se conta, a Rocha dos namorados era o ponto de encontro de dois jovens apaixonados, cujas famílias se odiavam.
O pai da jovem já desconfiado da existência dessa relação seguiu-a e perguntou-lhe o que estava ali a fazer, muito atrapalhada, a jovem disse-lhe que estava a lançar pedras à Rocha para saber quantos anos ainda teria de esperar para se casar.
Convidou o seu pai a fazer o mesmo dado que este era viúvo. Para que o seu amado escapasse à ira do seu pai, a jovem disse-lhe que só daria resultado se ele se colocasse de costas para a Rocha e lançasse as pedras com a mão esquerda, logo a primeira pedra ficou no chapéu da Rocha.
Nesse mesmo ano o senhor casou com uma linda mulher, e a jovem continuou a namorar o jovem atrás da Rocha.
A Rocha foi então baptizada com dois nomes: Rocha dos namorados e Pedra do casar.
Manda a Tradição, que na Segunda-feira de Páscoa, dia em que a população sai para o campo comer o borrego, junto à Rocha dos namorados, as jovens solteiras, devem ir à Rocha e de costas, lançar 3 pedras com a mão esquerda.
Se cair no “chapéu” a 1ª pedra, é porque casa nesse ano.
Se cair a 2ª pedra, casa no ano seguinte.
Se cair a 3ª pedra casará dentro de 2 anos.
Se não cair nenhuma, terá de esperar, pela próxima Segunda-feira de Páscoa.


Retirado do blog: http://aletradeumalentejo.blogspot.pt/

terça-feira, 27 de agosto de 2013

Cortejo de Oferendas em Alcáçovas (2004)


















Este cortejo realizou-se em 2004 e já não se realiza há muito tempo. O cortejo das Oferendas foi uma iniciativa das associações da nossa terra, nos anos de 2004 e de 2006 com o intuito de ajudar a Associação Terra Mãe.
Esta iniciativa consistia em que os habitantes e amigos da Vila de Alcáçovas ofereciam produtos agrícolas e bens necessários feitos em Alcáçovas e desfilavam orgulhosamente pelas ruas da vila, mostrando os trajes, os utensílios, o Cante e os produtos Alcaçovenses que tanto significam para a economia local.
Depois do desfile com música Tradicional, com os Grupos Corais, os Ranchos Folclóricos e também os grupos musicais, a divulgação dos produtos da terra e a demonstração dos trabalhos do campo, o cortejo terminava na "Gamita", onde actualmente se realiza a Feira do Chocalho e onde os bens oferecidos eram leiloados e o dinheiro angariado era para ajudar a Associação nos seus apoios a mães e filhos.
Este cortejo começou a realizar-se há muitos anos, por volta dos anos 40/50, teve um interregno,  mas em 2004 e 2006 voltou a realizar-se unindo toda a vila em torno deste ideal.
Um exemplo a repetir !...

Estas fotografias foram cedidas amavelmente pela nossa comadre Bela Mestre.

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

A Ceifa


A CEIFA
A Terra acorda ao alvor das madrugadas.
O sol é fogo na planície e nos outeiros.
Colam-se dores, às costas já estafadas,
que a fouce grava na magreza dos ceifeiros.
Em mar dourado as searas são ceifadas,
... ouve-se a rola, arrulhando nos sobreiros.
As raparigas matam sedes nas aguadas
e os aloendros florescem nos ribeiros.

Sobre o restolho há paveias e cantigas,
rubras papoilas, um coro de raparigas,
que arrastam no olhar, ternos corações.
E ao almoço, que tem ar de romaria
retomam forças, numa açorda, em cada dia,
vendo na eira, a debulha dos ganhões.

Manuel Manços

domingo, 25 de agosto de 2013

Passear. com nº 25 (Versão Gratuita)

 
No promover é que está o segredo!
Será que Portugal é um destino de Natureza excecional e cheio de potencialidades? Esta é uma interrogação recorrente nas conversas dos entusiastas e, em minha opinião, estou convencido que sim. Esta minha convicção vem das inúmeras incursões que faço pelo nosso pais e que confirmam, em pleno, o potencial que Portugal tem como destino de Natureza. Não é o melhor do Mundo como alguns querem fazer crer mas, é um bom destino. O revisto PENT (Plano Estratégico Nacional do Turismo) refere, com clareza, o Turismo de Natureza e o Birdwatching entre os 10 produtos em que, prioritariamente, deverá assentar a estratégia de desenvolvimento do Turismo nacional.

Resta-nos saber promover para, dessa forma, conquistar o mercado interno e internacional. A revista Passear tem vindo a estabelecer parcerias de trabalho com diversas autarquias, no sentido de potenciar as regiões. Tem sido um trabalho gratificante e revelador do despertar, por parte dos autarcas, da importância que o Turismo de Natureza pode ter para o desenvolvimento das suas regiões.
                      - Vasco Gonçalves, editor da Revista Passear.Com

Para visualizar esta revista digital gratuita, clique no link: http://issuu.com/editora_lobodomar/docs/passear_25vg?e=2308789/2439439

sábado, 24 de agosto de 2013

Cappas Insectozoo (Vila Ruiva)



Quem passa junto ao número 40 da rua 5 de Outubro, em Vila Ruiva, dificilmente imagina o que se passa por trás dos muros e das janelas da antiga casa agrícola de dois andares, grades nas janelas e barras vermelhas. Palco de guerras civis e regicídios, o museu vivo de insetos sociais, Cappas Insetozoo, funciona naquela freguesia do concelho de Cuba. Um verdadeiro mundo de insetos que vivem em sociedade e que são o universo do criador do espaço.

Na rua do museu, não fosse o silêncio profundo da tarde quente e um sinal daquilo que estaria para vir passaria despercebido: o zumbido de algumas abelhas ouve-se no meio da calmaria, voando em torno dos carros estacionados à sombra. Estes insetos, a par das vespas, formigas e térmitas, são as principais estrelas do museu criado em 1998 por João Cappas e Sousa. A particularidade do espaço está na observação de espécimes vivos destes insetos sociais, com regras, comportamentos e hierarquias perfeitamente definidos nas colónias onde vivem.

Quem entra no quintal traseiro da casa, guiado pelo mentor do espaço e investigador autodidata, tem logo a primeira lição: as árvores e flores estão colocadas para servir as abelhas e vespas, proporcionando-lhes, junto às colónias, tudo o que precisam para viver. E, assim, voltarem sempre às colmeias que servem de estudo e exposição. "Tudo o que está aqui não é por acaso, apesar de parecer uma mata desorganizada: tem tudo plantas específicas para ter flores próprias na altura certa". A flor de maracujá é uma delas porque é visível às abelhas, que percecionam entre o azul e o ultravioleta. "É uma cor chamativa", afirma João Cappas e Sousa, importante no processo de polinização. "Tenho plantas do mundo todo de forma a assegurar as necessidades dos insetos durante todo o ano". Insetos sociais que são a base para o equilíbrio ecológico envolvente.

O Cappas Insetozoo, museu vivo de insetos sociais, surgiu há 13 anos visando vários objetivos: a educação ecológica dos visitantes; a divulgação dos insetos sociais; a preservação de espécies em extinção; o proporcionar de material para investigadores; ou o resgate de conhecimentos antigos sobre os insetos sociais. E surgiu pela vontade de João Cappas e Sousa, estando hoje registado como centro de pesquisa de insetos sociais, algo "único no mundo". Colaborando frequentemente com universidades, o conhecimento autodidata do investigador não o fragiliza entre os académicos. A justificação é dada pelo próprio. "Tenho tanta base científica como os outros ou não conseguiria fazer isto. Chego ao pé de um e digo que está errado por isto ou por aquilo. Não é dizer que não concordo, mas que não bate certo com uma série de coisas porque há muitas falsas verdades na ciência".

A visita continua. A primeira sala tem três expositores de abelhas, ligados ao exterior por orifícios através de uma parede permitindo aos insetos a sua livre circulação. Nada mais do que baldes ou caixas de madeira cobertos de terra (por se tratarem de espécies subterrâneas), que acolhem as abelhas, desenhados pelo proprietário, designer de formação. "Um investigador não consegue desenhar um modelo. Um designer faz um projeto todo bonito mas desadequado aos fins. Juntar os dois é uma guerra". As abelhas subterrâneas e sem ferrão, espécie extinta na Europa e presente noutros pontos do planeta como África ou Índia, entram e saem das suas colmeias de cativeiro sem o saberem. Os potes cheios de mel, os favos estratificados e construídos por camadas são bem visíveis. E a labuta das abelhas também, indiferentes a quem as observa.

As abelhas sem ferrão assumem algum protagonismo no estudo do investigador, no sentido de garantir a flora natural portuguesa. "A nossa abelha está em perigo e a desaparecer. Sem abelhas não há polinização, sem polinização não há comida e este centro de pesquisa está a estudar abelhas sem ferrão que possam viver em Portugal". Para João Cappas e Sousa, o uso sistémico de inseticidas nos campos é a principal causa do desaparecimento, por atacar o sistema nervoso dos insetos. Assim, para além do aspeto lúdico da exposição, o insetozoo tem muitas espécies de abelhas estrangeiras servindo de base de estudo, passando-se o mesmo com os restantes insetos.


Motins e regicídios Na sala seguinte está o projeto que esteve na origem da criação do museu de insetos vivos em Vila Ruiva. Apesar da presença de abelhas e vespas solitárias, é o Formigueiro Messor que chama a atenção de quem entra no espaço. O tamanho do expositor e a complexidade de túneis e canais do formigueiro traduzem-se no projeto mais notório do espaço museológico. Em 1988, dez anos antes da inauguração do museu em Vila Ruiva, João Cappas e Sousa começa a construção do Formigueiro Messor, a pedido da Fundação Calouste Gulbenkian, para integrar o Centro Artístico Infantil, inaugurado em 1989 e onde esteve durante 12 anos. "Como o formigueiro tinha que ter uma série de requisitos, tive que encontrar, antes de mais, uma espécie que se adequasse ao pretendido. Depois passei uma tarde inteira para encontrar a rainha, que foi capturada em Lisboa, entre as Olaias e o Areeiro, num formigueiro com dois anos de idade. E a última a apanhar foi a rainha".

A rainha morreu em 2010 com 25 anos de idade e a colónia está em declínio. Neste momento quem comanda o grupo é um soldado, que chegou ao poder através da decisão da elite das formigas. "É a elite que comanda a colónia. Se entender que a rainha se está a portar mal, mata-a". Ideia que contraria um pouco o mito de que existe uma rainha e as trabalhadoras, quando na verdade "há uma elite e uma classe trabalhadora". Para além da estratificação em classes, as formigas vivem numa sociedade muito parecida com a humana: comunicam, transmitem conhecimentos, cumprem regras, fazem guerras civis ou regicídios, têm zonas distintas onde comem, bebem, onde fazem o "pão de formiga" (sementes humedecidas e mastigadas em conjunto) ou cemitérios, onde depositam as formigas que morreram.

Subindo ao primeiro andar e deixando o piso térreo, uma espécie de antecâmara do museu propriamente dito, os visitantes chegam às salas principais. Dois espaços repletos de formigueiros e termiteiras, espécie de aquários onde se podem observar os comportamentos dos inseto no exterior e no interior dos formigueiros. Lateralmente, encontra-se um género de biblioteca do museu. As estantes dos móveis estão repletos de livros, revistas, brochuras e imagens de insetos ou plantas. Bichos-Pau ou Baratas de Madagáscar observam a partir dos seus expositores e de forma estática o ambiente que os circunda. As baratas estão na origem das térmitas. Já as abelhas, vespas e formigas tiveram como antepassado uma vespa primitiva. Todo o espaço é sobre insetos e os insetos dominam todo o espaço.

Quase ao final da tarde chega um primeiro grupo de visitantes, de seis pessoas: duas senhoras e quatro jovens. Passados alguns minutos chega um segundo grupo de mais cinco pessoas, pais, avó e dois filhos. João Cappas e Sousa explica com entusiasmo o relacionamento social dos insetos, mostra as colmeias e os formigueiros. Visivelmente contente e bem-disposto, vai avançando com os visitantes entre os expositores e as espécies, desfiando curiosidades. Lá fora, a tarde já vai mais fresca e as abelhas vão entrado e saindo do museu, explorando as ruas de Vila Ruiva.
http://www.cappas-insectozoo.com.pt/index1.html

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Vendinha


"Entre Évora e Reguengos de Monsaraz, a Vendinha era, há meio século, uma aldeia com muita gente pobre amarrada às fainas agrícolas sempre eventuais e precárias. Os dias sem trabalho somavam-se ao longo dos meses, e as contas, no livro dos fiados, na venda do Ti Zé Calado, cresciam, na esperança solidária de que a ceifa ou a apanha da azeitona saldassem ou, pelo menos, reduzissem os atrasados.

Servindo ao mesmo tempo de taberna, como, aliás, ainda é regra, este estabelecimento era frequentado pelas mulheres e raparigas, quase só para as compras necessárias ao governo da casa, das mercearias, às drogarias e aos precisos para as costuras caseiras. Pelos homens, a venda era frequentada ao fim da tarde, ao serão e ao Domingo todo o dia, para conviverem, cantando, comendo e bebendo. Sardinhas fritas, linguiças e farinheiras assadas num prato com aguardente, queijo e muito pão, comido à navalha, faziam lastro ao branco e ao tinto, segundo o gosto de cada um. Muitos deles jogavam ao corno. Este jogo de azar, de braço dado com a bebida, dizimava a magra féria de uns tantos, para grande arrelia das mulheres e constantes discórdias entre casais.

As famílias mais desafogadas, uma meia dúzia se tanto, eram, por isso, consideradas ricas. Era tudo gente de bem, simples e solidária. Nesses anos, no seio desta pequena comunidade, todos os vendinhenses, os pobres e os tais ditos ricos, se ajudavam entre si. Todos se tratavam por igual e a única diferença estava nas idades de cada um. Os mais velhos tratavam a todos por tu e recebiam, dos mais novos, o “vossemecê” que lhes era devido. Neste cenário rural havia, ainda, os seareiros, lavradores sem terra própria, mas que a alugavam a quem a tinha para nela semearem, sobretudo, trigo. Os grandes senhores da terra não viviam ali. Tinham por lá os feitores, nas suas herdades, mas residiam na cidade e um deles, até, em Lisboa. Frequentavam o Grémio da Lavoura, em Évora, e ali tratavam dos seus negócios, bem como no Café Arcada, às terças-feiras.

Não é surpresa para ninguém que a religiosidade dos alentejanos fica muito aquém da dos seus irmãos do Centro e Norte do país. Do mesmo modo, deixa muito a desejar a veneração que dispensam à figura do padre. Anos muito duros na vida dos camponeses desta vasta região do sul, mostraram-lhes que a Igreja e a generalidade dos seus ministros sempre estiveram mais do lado daqueles que os exploravam e oprimiam. A pequena propriedade rural e a notória religiosidade das gentes das Beiras, do Minho e de Trás-os-Montes sempre iam abastecendo a despensa do pároco com tudo o que a terra dá, do azeite ao vinho, da galinha ao cestinho com ovos, das batatas e das couves à fruta, da broa aos bolos e ao anho, pela Páscoa, proporcionando-lhe uma vida bem mais confortável do que a dos poucos padres resignados a permanecer nas aldeias do Alentejo. Isto numa visão que, diria, estatística, porque excepções sempre as houve. Serve esta reflexão para dar sentido a um dos episódios mais inesperados que me foi dado presenciar.

Num desses anos fui convidado para assistir às festas em honra de São Vicente do Pigeiro, o taumaturgo português cuja imagem se encontra na pequena igreja matriz local, de finais do século XVI. Cheguei à aldeia na véspera, ao fim de um dia de muito calor, e fiquei hóspede de um dos “meus compadres”. A alvorada do grande dia foi assinalada pela chegada da banda, vinda de Montoito, contratada pelos festeiros. Tocando e marchando, com o mestre à frente, os músicos percorriam as ruas principais, detendo-se, por momentos, frente à Junta de Freguesia e à Casa do Povo. Seguiam-se, depois, os cumprimentos às famílias tidas por mais importantes, os tais ditos ricos, onde, como era costume, havia sempre um “mata-bicho” à sua espera. Em frente de cada uma destas residências, a banda parava, interpretava uma curta peça, finda a qual os seus elementos eram convidados a entrar e a regalar-se com bolos caseiros, vinho doce ou aguardente. Cumprida esta primeira fase das cerimónias e eventos programados, o povo começava a debandar a caminho da igreja matriz, a uns quilómetros de distância da aldeia. Eles a pé, nos seus fatos escuros, domingueiros, meio cobertos pelo pó do caminho, e elas sentadas em cadeirinhas, em cima de carros puxados por parelhas de mulas. Esperava-os a procissão da bênção às searas seguida da missa, a única a que assistiam por ano. De acordo com os termos apalavrados, a banda abrilhantava a procissão, logo a seguir ao padre e ao andor do orago. Com o povo atrás, a pequena imagem, em madeira dourada, de São Vicente do Pigeiro, levada ao ombro dos homens mais destacados da freguesia, percorria um dado itinerário por entre o restolho ressequido de um campo de trigo já ceifado, e regressava ao seu altar para a celebração da santa eucaristia em sua honra.

À missa assistiam, sobretudo, mulheres e raparigas. As crianças ficavam a brincar, correndo em volta da igreja, e os homens concentravam-se no adro, confraternizando frente a uma banca de comes e bebes, ali improvisada pelos festeiros com o fim de conseguirem mais alguns fundos para a festa. Foram, assim, passando o tempo à espera que o padre subisse ao púlpito. A prédica era a parte da missa que melhor entendiam. Ao sinal de um rapaz, mandado estar atento ao começo da dita, entraram no templo, de chapéu na mão, silenciosos e em postura de muito respeito, permanecendo à entrada, junto à porta. Porta que transpunham sempre que se enfadassem ou lhes apertasse a sede.

A Vendinha não tinha padre e, como em anos anteriores, era preciso ir buscá-lo a Montoito. Mas, naquele ano, o pároco desta aldeia vizinha não era o mesmo a quem estavam habituados, pelo que tiveram de se haver com um desconhecido. A curiosidade de o ouvir e conhecer era, pois, grande. Com música de Bach, de permeio, tocada por dois ou três dos metais da banda, a cerimónia decorreu normalmente até ao momento em que o celebrante iniciou o sermão. Aí, do alto da sua importância face ao rebanho a seus pés, em vez da prédica que o povo esperava, o pastor teve a infeliz e mal pensada ideia de, num discurso muito fundamentalista e desagradável, comentar as roupas de algumas das raparigas e a sua falta de pudor, ao vestirem-nas, mandando sair da igreja aquelas cujos decotes e cavas, segundo ele, ofendiam a Deus e à Virgem. Indignadas por um tamanho atrevimento, estas e as suas mães não se contiveram, começando a invectivá-lo, de baixo para cima, e ele a responder-lhes, na mesma moeda, de cima para baixo. Os ânimos exaltaram-se, as imprecações subiram de tom, de parte a parte, e os homens aproximaram-se em defesa das suas mulheres e filhas. Nesta peleja de palavras, uma das mães desabafava, para quem quisesse ouvir.

- Estive eu a fazer o vestido à rapariga, para ela estrear hoje, e o estupor do padre a mandá-la sair da igreja!? Padreca de merda! Nunca mais cá põe o cu!

Recuando na sua intransigência e amainados os ânimos, o celebrante lá conseguiu dar por finda a missa. A caminho da aldeia, as conversas do pessoal, ainda acaloradas, tinham por mote o insólito acontecimento. Durante a tarde, em pleno arraial, ainda se ouviam, aqui e ali, relatos da ocorrência. Nunca o padre, que ninguém mais viu, sonhou as rodas de “filho dum…” e de “filho duma…” que lhe foram dirigidas, à distância e ainda a quente, pelo pacato povo da Vendinha.
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Publicado no Jornal de Letras de 02JUN10

Com a devida vénia do Blog Sopas de Pedra de A. M. GALOPIM DE CARVALHO