Conhecido popularmente por Inácio da Amélia, oleiro, homem sonhador, acreditando num amanhã melhor, mestre Inácio José Lagarto, vivia a poesia e transmitiu-a a seu filho, Inácio José Marcelino Lagarto, com a sua forma de ver e sentir a vida.
Nascido em Viana do Alentejo a 18 de outubro de 1899, faleceu em 14 de Novembro de 1964, era filho de Francisco Lagarto e de Amélia Carracha, tendo casado com Joaquina Augusta Marcelino, filha de Cassiano Marcelino e de Joana Pão Mole.
Do casal de oleiros nasceram 10 filhos. Faleceram com tenra idade 3 rapazes e uma rapariga, tendo dado alegria à vida de cinco raparigas e um rapaz. Ao filho ensinou a sua profissão de oleiro que, mais tarde, após completar estudos, ingressou na profissão bancária.
Todos os familiares de mestre Inácio da Amélia seguiram a profissão de oleiros - pais sogros e irmãos. Era irmão de José Luís Lagarto, pai entre outros filhos do reconhecido mestre Francisco António Lagarto; e tinha mais dois irmãos, Damásio Lagarto e Francisca Teresa Lagarto.
Residia no número 1 da Rua Médico Sousa, com oficina no mesmo prédio no Largo de São Luís, junto ao Castelo, com forno de cozer louça e quintal para várias tarefas ligadas ao ofício, na Rua Heliodoro Salgado, nesta vila de Viana do Alentejo, onde produzia várias espécie de louça de barro com arte e engenho, tosca, pesgada ou vidrada, tais como alguidares, utensílios para cozinha, potes, talhas, cântaros e bilhas artísticas para a água ou jarras, manilhas, vasos, fogareiros, salgadeiras, colmeias, alcatruzes para elevar a água das noras, etc.
Em 1921 foi soldado condutor no Regimento de Infantaria, em Setúbal, onde aprendeu a ler e a escrever, compondo nas horas vagas e em segredo a sua poesia, descrevendo um pouco da sua vida de então, de que damos a conhecer estes modestos versos:
VIDA DE OLEIRO
MOTE
Eu sou um pouco artista
Faço obra aperfeiçoada
Com trinta réis de importância
Tenho oficina bem aporada
Faço obra aperfeiçoada
Com trinta réis de importância
Tenho oficina bem aporada
1
Eu tenho uma boa roda
Sem ter pano nem cabeça
Eu tenho tudo quanto me apeteça
Que seja da nova moda
Também tenho uma boa corda
Feita por um cordista
Tem as pontas de alentisca
E nem é de esparte
Dou a ver à minha arte
Eu sou um puro artista
Sem ter pano nem cabeça
Eu tenho tudo quanto me apeteça
Que seja da nova moda
Também tenho uma boa corda
Feita por um cordista
Tem as pontas de alentisca
E nem é de esparte
Dou a ver à minha arte
Eu sou um puro artista
2
Eu tenho um bocado de esteirão
Aonde vou buscar o barro
Quando não me apetece levar o carro
Que eu vou assim por destraição
Também tenho um bom enxadão
Tenho corda de marmelada
Também tenho uma enxada
Que mandei fazer de pau
Como arranjo não é mau
Faço obra aperfeiçoada
Aonde vou buscar o barro
Quando não me apetece levar o carro
Que eu vou assim por destraição
Também tenho um bom enxadão
Tenho corda de marmelada
Também tenho uma enxada
Que mandei fazer de pau
Como arranjo não é mau
Faço obra aperfeiçoada
3
Eu tenho uma arquina
Que o mais tempo está caída
Ando alegre com a minha vida
Só possui obra fina
Ainda quem imagina
Que isto é por furância
Tenho formas em abundância
E um forno que está derrubado
Sou um homem ensenhorado
Com trinta réis de importância
Que o mais tempo está caída
Ando alegre com a minha vida
Só possui obra fina
Ainda quem imagina
Que isto é por furância
Tenho formas em abundância
E um forno que está derrubado
Sou um homem ensenhorado
Com trinta réis de importância
4
Eu tenho um bom forcado
Do melhor que ainda vi
Um dente já eu parti
Por sinal está desencavado
Tenho a face que é um bocado
As calças estão rasgadas
Tenho um rabicho duma albarda
Dum garfo fiz uma forquilha
Com uma forqueta zambarilha
Tenho a oficina bem aporada.
Do melhor que ainda vi
Um dente já eu parti
Por sinal está desencavado
Tenho a face que é um bocado
As calças estão rasgadas
Tenho um rabicho duma albarda
Dum garfo fiz uma forquilha
Com uma forqueta zambarilha
Tenho a oficina bem aporada.
(Inácio José Lagarto)
Viana do Alentejo, 27/07/1927
Viana do Alentejo, 27/07/1927