Em prol das variedades regionais, esta é a nossa luta !!!
As caminhadas esforçadas conduziram-me uma vez mais à horta do meu amigo Orlando, um hortelão de excepção, daqueles que hoje em dia são tão fáceis de encontrar quanto um lince ibérico na Serra da Malcata.
É sempre um prazer conversar alguns minutos com este amigo, um verdadeiro apaixonado pelo campo e pela horticultura, cuja dedicação pessoal mantém os seus terrenos, acreditem, para os tempos que correm onde graça o abandono generalizado, em estado de fazer inveja. Porém, não são só estas as razões que diferenciam o Orlando da esmagadora maioria dos hortelões, pois estamos perante um homem ciente do valor das variedades regionais, pelas quais tem realizado um trabalho notável, embora até aqui sem a perfeita noção do que isso representa.
Numa retrospectiva muito superficial, penso ser em Gavião a pessoa que tem o maior número de figueiras, todas plantadas de estaca, a partir de varas recolhidas em velhas árvores do concelho. De todas as variedades que já identifiquei, apenas não constatei aqui uma delas. Também podemos encontrar oliveiras galegas e duas ou três macieiras de variedades regionais, possuindo ainda na sua vinha velhas cepas, dotadas com as castas a partir das quais se produzia o antigo e característico "Vinho do Gavião".
Apraz-me registar que está aqui alguém que não se abnegou ao mais fácil, prático e tido por moderno, que mais não será que recorrer de forma cega ao mercado. Manteve em grande parte o que já existia, recolheu e propagou muitas das suas árvores recorrendo aos métodos de estaquia e enxertia. Contudo, fico com a sensação que a ideia subjacente passava em primeira linha por uma carolice, acompanhada por alguma curiosidade e gosto pessoal, mais do que propriamente pela preservação, para o que já empreguei o meu esforço em lhe incutir, merecendo total abertura e receptividade.
Enquanto dialogava com o meu interlocutor, de toda a conversa uma frase fez eco nos meus ouvidos, a qual importa aqui destacar. "Essas árvores que compramos, umas nunca mais se desenvolvem, outras morrem e andam sempre cheias de moléstias. Estas nunca apanham nada ! "
Ora, sem a perfeita noção do porquê, através da experiência adquirida o Orlando constatou algo de importantíssimo, uma diferença que infelizmente escapa à grande maioria dos mortais. Então porque será que isto sucede ? Sucede, porque nesta corrida as variedades regionais estão séculos à frente das variedades adquiridas no mercado, na sua esmagadora maioria de origem estrangeira. As variedades regionais foram submetidas a um processo selectivo e de aperfeiçoamento genético ao longo de gerações, em que os melhores espécimes, os mais produtivos, robustos, resistentes e melhor adaptados, eram os escolhidos para a propagação. Para além das resistências naturais que estas plantas foram por si adquirindo, suportando doenças, pragas e factores climatéricos ou relativos ao solo que lhe eram adversos, os quais foram gradualmente superando até atingirem por vezes a imunidade. É este o percurso que as novas variedades não percorreram, pois muitas apenas cá chegaram hà menos de quatro décadas, logo não adquiriram as resistências das quais as variedades regionais estão capacitadas.
Vou dar um exemplo que fará qualquer um perceber esta questão. Quando os conquistadores espanhóis chegaram ao Novo Mundo, levaram consigo o vírus de uma simples constipação, o qual dizimou milhares ou milhões de índios sul americanos. Um vírus praticamente inofensivo para os europeus, era nem mais nem menos que uma certidão de óbito para os ameríndios, uma vez que os primeiros contactavam com este à séculos e o seu organismo havia adquirido resistências naturais, que transformaram o vírus em algo inofensivo. Ao contrário, os ameríndios contactavam com o vírus pela primeira vez, não estando o seu organismo capacitado para lhe resistir, provocando a morte em massa.
Este é um exemplo, que por analogia encaixa na perfeição nesta temática variedades regionais versus novas variedades ou importadas, assumindo as primeiras a posição dos europeus, pois hà muito que contactam com as adversidades do meio no qual se inserem e assim adquiriram as resistências necessárias, enquanto as variedades importadas, neste caso são os ameríndios, sucumbindo ou sofrendo graves danos perante as mesmas condições que o meio natural lhes impõe, pois não estão capacitadas das resistências para o efeito necessárias.
Para finalizar, ficam as fotos de uma descoberta fantástica de algo há muito procurado, os antigos "pêros", para mim um verdadeiro tesouro. O pêro não se trata de uma pêra, como eventualmente pode transparecer, mas sim de uma maçã de formato alongado, o que poderá não ser muito explícito nas fotos, uma vez que estão ainda numa fase precoce do seu desenvolvimento. O amigo Orlando detém a variedade, a qual pode ter salvo da extinção, pois à alguns anos recolheu uma vara de uma antiga macieira no Vale de Carvalho, árvore que hoje já não existe, com a qual realizou uma enxertia com sucesso. Poderá estar aqui um exemplar único, o que não me surpreenderia, atendendo ao facto da biodiversidade agrícola viver um período de extinção em massa, em que a grande maioria das variedades já desapareceram para todo o sempre.
Esta variedade, está já sinalizada para num futuro próximo integrar o espólio frutícola do Vale Machoso.
Parabéns ao Orlando pelo grande esforço e resistência aos efeitos da globalização agrícola, com quem será um prazer manter esta amigável parceria. Muito, mas muito obrigado.
Texto e fotos da autoria do nosso compadre Rui Delgado ( Vale Machoso, Gavião )