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terça-feira, 17 de setembro de 2013

Motores de Combustão a Palha

Carros de bois alentejanos com trigo para a eira. Cliché de bilhete-postal ilustrado do início do século XX (Edição de Faustino António Martins – Lisboa).
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Na labuta diária das herdades alentejanas, os carros de tracção animal eram um equipamento indispensável ao lavrador, no transporte da carga de um lado para o outro. E o papel dos carros agigantava-se quando das grandes fainas agrícolas, como as ceifas ou a tiragem da cortiça. Eram carros puxados a bois ou a mulas, embora burros e cavalos também pudessem ser utilizados.
Para se transportar na herdade, o lavrador andava a cavalo ou de charrete, veículo que de resto utilizava quando ia à vila ou à cidade, tratar de assuntos do seu interesse.
Os camponeses com mais posses deslocavam-se em carroças com toldo (churriões) que os protegiam tanto da chuva como da torrina do sol.
Na cidade, os recoveiros usavam carroças puxadas a mulas, para transportar mercadorias entre a estação da CP ou da camionagem e os estabelecimentos comerciais.
O cancioneiro popular tem referências sobre almocreves e carreiros:
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“A vida dum Almocreve
É uma vida arriscada,
Ao subir duma ladeira
E ao descer duma carrada.” [1]
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“Sou almocreve de uma parelha,
Carreteio e faço lavoura:
Sou da freguesia da Amareleja,
Pertencente ao concelho de Moura.” [2]
o
“O meu amor é carreiro,
Traz arreatas na mão;
Também eu o trago a ele
Dentro do meu coração.” [3]
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O rifonário popular tem referências a “carreiro”:
- “Muito fraco é o carreiro que tem um carro só”
Tem também referências a “carregar”:
- “Quem pega peso de graça é a balança.”
Tem ainda referências a “carga”.
- “A carga leve, ao longe pesa.”
- “Carrega o carro à traseira, andará à dianteira.”
- “Carrego caído, carrego vendido.”
- “Carro carregado pode com mais um rameiro.”
- “Grande carga leva a carreta, maior a leva o dono dela.”
- “Para a banda é que a carga cai.”
- “Quem não pode com a carga, arreia.”
Nos carros era indispensável a corna do sebo, usada no transporte de sebo com que se ensebavam os eixos dos carros de tracção animal, afim de evitar a infernal chiadeira que nos atazanava os ouvidos. As carroças carregavam normalmente esta corna na parte traseira, pendurada para o lado de fora dos varais ou então por debaixo do estrado. Lá diz o rifonário popular:
- “Pelo andar dos bois se conhece o peso da carroça”
- “Carro apertado é que canta”
- “O boi é que sofre, o carro é que geme”
- “Carro que chia quer untura”
- “Quem seu carro unta, seus bois ajuda”
- “Carro que canta, a seu dono avança”
- “Carro que não canta, não avisa chegada”
- “Carro parado não guincha”
Assim foi seguramente até aos anos sessenta do século passado, em que a tracção dos veículos era assegurada por bois, mulas, burros e cavalos. Animais estes que eu designo genericamente por motores de combustão a palha. Estes motores são do melhor que há. O lubrificante é água fresca, não poluem e produzem a afamada bosta portuguesa, que além de ser bio-degradável tem reconhecidas propriedades fertilizantes. Apetece-me assim proclamar:
- VIVA OS MOTORES DE COMBUSTÃO A PALHA!
- VIVA A BOSTA PORTUGUESA!
Na actualidade, o fertilizante expelido pelos motores de combustão a palha poderia ser alvo de intervenção da ASAE. E das duas uma: ou se purgavam os motores para não bostarem ou se purgava a ASAE. Inclino-me mais para a segunda solução, pois a primeira deixaria os motores enfraquecidos, o que faria baixar a sua potência e o seu rendimento. Haveria, pois, que purgar a ASAE.
Esta crónica está a crescer e sinto que há da vossa parte um certo mal-estar, por se estar a falar da comida de alguns (a palha) e estarmos todos de barriga vazia. E como "Barriga vazia não conhece alegrias", há que vos dar algo que comer.
Como se tem estado a falar de palha, já estou a ver que alguém que só vê em mim, ruins intenções, deve estar a pensar que eu o quero presentear com um "bife de 3 arames". Nada disso. A minha real intenção era oferecer a todos os intervenientes e seguidores desta discussão, uma caixinha de "palha de Abrantes". Porém, o meu irmão gémeo, que é mais prudente do que eu e que ao contrário de mim, é forreta, desaconselhou-me disso:
- “Eh pá, tira daí o sentido. Com a calorina que está, isso a seguir pelo correio, nem as moscas a queriam.”
E rematou:
- “Era como se estivesses a condenar os teus amigos a apanhar uma sultura!”
Então não querem lá ver que o ferrabrás do meu irmão gémeo é capaz de ter razão?
Só há uma solução, é dar-vos mesmo palha. Não a real palha que dá para encher a barriga. Por isso ireis continuar de barriga vazia. Mas podereis ficar alegres pela minha lembrança de vos enviar proverbial palha. Aqui vai uma carrada dela: 
 “A água de Janeiro traz azeite ao olival, vinho ao lagar e palha ao palheiro.“
- “A barriga de palha, a feno se enche.“
- “A majestade sem potência é gigante de palha.“
- “A palha no olho alheio e não trave no nosso.”
- “A palha, boa ou má, toda faz palheiro.”
- “Antes palha do que nada.”
- “Burro velho, palha nova.”
- “Com palha e milho, leva-se o burro ao trilho.”
- “Dia de S. Barnabé, seca-se a palha pelo pé.”
- “Em ano bom o grão é feno e no mau a palha é grão.”
- “Fogo de palha não dura.“
- “Inimigos nem de palha.“
- “Maio hortelão, muita palha, pouco pão.”
- “Melhor é palha que nada.”
- “Nem todos os doidos estão nas palhas.“
- “O que é palha, palheiro enche.”
- “O vento ajusta a palha e depois espalha.“
- “O vento suão cria palha e grão.“
- “Ofício de albardeiro, mete palha e tira dinheiro.”
- “Toda a palha faz palheiro.”
- “Todo o burro come palha, o ponto é saber-lha dar.”
- “Tudo o que é palha enche palheiro.”
- “Um homem de palha, vale uma mulher de ouro.“
Esta proverbial palha alimenta o espírito e pode ser consumida sem qualquer receio. Mesmo o da ASAE, porque a proverbial palha não se transforma em fertilizante orgânico daquele que serve para adubar as terras, mas antes em fertilizante espiritual, que podereis usar se assim o entenderdes, na adubação das vossas searas de escrita.
Lá está o meu irmão gémeo a atazanar-me o juízo outra vez:
- “Eh pá, acaba lá isso, que é só palha e para alguns é palha a mais.”
Será que tem razão, o implicante? É que o meu irmão gémeo, que é irritante como tudo, costuma dizer à tripa forra:
-" O que tu tens é palheta!"
Uma ração de palha quer-se farta, para maximizar a pujança do consumidor. Daí que eu agora vos alimente com uma boa dose de palha metafórica:
“A lume de palha = Rapidamente“
“A nome de palhas = De graça”
“Cor de palha = Cor amarelada“
“Fumo de palha = Coisa de pouco valor“
“Homem de palha = Homem preguiçoso“
“Meter palha na albarda = Iludir alguém com palavras enganadoras“
“Morrer nas palhas = Morrer pobre“
“Não mexer uma palha = Ser preguiçoso“
“Nascer nas palhas = Ser pobre de nascença“
“Por dá cá aquela palha = Por motivo fútil“
“Tirar palha a alguém = Gracejar“
“Tomar a palha a alguém = Exceder alguém“
“Travar palha com alguém = Gracejar“
“Vá para as palhas! = É doido!“
Como sobremesa da refeição, tendo em conta que o substantivo “palha” tem como diminutivo o substantivo “palhinha”, vou-vos presentear com uma pequena dose de palhinha metafórica:
“Tirar palhinha = Gracejar”
“Esconder a palhinha = Ser homosexual”
E pronto, a palheta chegou ao fim e com ela a presente crónica.


[1] - MOURA - Recolha de VASCONCELLOS, J. Leite de. Cancioneiro Popular Português. Volume II. Acta Universitatis Conimbrigensis. Coimbra,1979.

[2] - AMARELEJA (Concelho de Moura) - Recolha da Casa do Povo divulgada por Luís Chaves in Primeira Investida na Colheita Folclórica (Lírica) das Casas do Povo. Mensário das Casas do Povo, nº 225, Lisboa, 1965.
[3] - VEIROS- Concelho de Estremoz - Recolha de VASCONCELLOS, J. Leite de. Idem. Obra citada.
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Carradas de cortiça na Herdade da Favela. Bilhete-postal ilustrado do início do século XX (Edição de Faustino António Martins – Lisboa).

Churrião. Bilhete-postal ilustrado do início do século XX (Edição de Faustino António Martins – Lisboa).

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Churrião junto ao Aqueduto – Elvas. Bilhete-postal ilustrado de meados do séc. XX (Edição da Livraria e Papelaria Rego - Elvas)
 
Copiado do Blog do compadre Hernâni Matos:

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