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terça-feira, 14 de janeiro de 2014
Onde vive a Terra...
Os tectos altos separam o homem do céu. Redesenham os limites do homem, fazem-no crer que de tão altos, não há mais nada para além deles. São abóbadas mas não celestes, são curvas, redondas, a fechar segredos, a envolver o homem num ventre de pedra de onde ele é gerado todas as manhãs e aonde volta no final de cada dia, fim dos passos no culminar da jorna. São templos, são lugares de adoração de chaminé larga em lugar de altares. Fazem ressoar os gritos mais abafados, explodir em decibéis vergonhosos as vergonhas da intimidade. Do eco dos tectos de pedra e cal das casas surgiram os homens que povoaram a Terra e as muitas terras depois dela. Não mais de taipa e adobe como os primeiros pais da Terra o fariam, mas ainda com o que houver de menos nobre e mais acessível que a terra possa dar.
Janelas não são precisas que os da casa guardam-se por dentro e assim no escuro, que é o espaço entre tu e eu, se afasta o brasido que derrete, que coze e desfaz tudo o que fica de fora. É na ausência de janelas que se preserva o calor de um lume que se quer aceso todo o Inverno, a servir de centro do lar, a produzir fumeiro para as parcas carnes que qual morcegos, se penduram sobre ele a fazer sonhar noite após noite, com as horas de festa, com o pingo da carne nas sopas aguadas.
Da sala se faz cozinha e às vezes ao contrário que os nossos não vêem mal em se sentarem comendo de portas abertas, o pouco que há é o bastante para quem vier de visita, para quem se enfeitiçar dos aromas que vêm de dentro. Na cozinha que é sala- e do que é e não é os de casa não fazem caso- vive a família que é grande como a Terra. Nascem meninos junto do lar quando o que falta são quartos e não os desejos de parir. Amor e pão não se negam a ninguém. Camas chega a haver e às vezes fazem-se quartos, constroem-se guarda-fatos para onde vão os vestidos de noiva ou de festa. Mas isso é depois, muito depois das casas levantadas, tectos erguidos, corações ao alto.
Quando as há, são de ferro as camas ou num rasgo de sorte, de madeira da boa, investimento futuro ou dote vindo da madrinha num noivado feliz. Cadeirinhas de assento de palha, de madeira tosca com cores alegres que sobrando dos rodapés das casas, enfeitam de flores miúdas o assento humilde. O jardim dos da Terra é a planície, seus quintais são as searas. Lá fora é tudo nosso que quem ama nada possui, ou é dono de todas as coisas, o que é o mesmo no fundo.
Cheira ao alecrim e à hortelã da ribeira. Há pássaros que não são de gaiola. A vida é grande como a imensidão da Terra e os da casa é nela que habitam.
Texto da comadre Ana Terra, copiado do seu blog: http://aterradaana.blogspot.pt/
Foto do compadre Ricardo Zambujo.
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