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segunda-feira, 18 de agosto de 2014
"Estafetas" e Alcofas
Em tempos que já lá vão, todas as terras alentejanas tinham ao seu serviço homens que se intitulavam "Estafetas".
Era uma profissão respeitada e muito solicitada, pois não era habitual que uma pessoa, se quisesse oferecer um perfume á esposa, ou se precisasse de algo de Lisboa, lá tivesse de ir. Isso era impensável, mesmo impossível, pois nem toda a gente tinha automóvel ou disponibilidade financeira para perder um dia de trabalho, já para não falar no estado das estradas, que era no mínimo, lastimoso...
Não havia neste tempo a abundância de Centros Comerciais, que brotaram por todo o lado nas últimas três décadas. As velhinhas vendas das aldeias, essas, vendiam vinho, aguardente, azeite, batatas, galochas, fruta local e, quanto muito, caramelos espanhóis, daqueles que se agarravam aos dentes, mas que eram muito procurados pelos gaiatos. Uma tristeza, portanto...
O meu avô paterno, digo-o com orgulho, era o "estafeta" das Alcáçovas. Governou assim a vida, esposa e seis filhos. Todos os dias, sábados incluidos, lá ia ele cheio de alcofas ás costas, carregado com tudo o que possam imaginar, desde galinhas, faisões, grilos, cágados, pão alentejano, linguiças, hortelã ou couves, rumo á grande cidade de Lisboa, para entregar os produtos alentejanos de porta em porta.
Felizmente, nesse tempo ainda não havia ASAE...
Ia na automotora da madrugada, a que vinha de Beja, rumo ao Barreiro. Aí, o barco levava os passageiros sonolentos até á outra margem, a Estação de Sul e Sueste, no Terreiro do Paço.
Regressava na automotora da tarde, alcofas atestadas com os produtos de Lisboa que lhe tinham pedido de véspera, perfumes, medicamentos, livros ou vestimentas da cidade.
E assim foi durante décadas. Os Estafetas eram uma familia, conheciam-se desde sempre e confiavam as suas alcofas uns aos outros. Jogavam ás cartas durante as viagens, rindo muito, falando deste e daquele, desta e daquela e, ás vezes, chegavam a pedir ajuda a quem não conheciam:
" Ó Parente Amigo, dê-me aqui uma ajudinha"... E todos, geralmente, ajudavam a guardar ou mesmo a transportar as alcofas cheias de material.
Um dia, num eléctrico de Lisboa, um carregamento de grilos escapuliu-se da alcofa do meu avô e espalhou-se por tudo o que era sitio. Foi o pânico geral, o Guarda-Freios foi o primeiro a fugir, os marçanos e as senhoras de saias compridas gritavam enquanto os grilos lhes subiam pelas pernas. Os bichinhos eram inofensivos, mas o pessoal de Lisboa pensava que eram baratas e vá de gritar até mais não... Aquilo só acabou, quando um GNR de bigodes farfalhudos, que por acaso tinha nascido em Trás-os-Montes, esmagou os pobres grilos com a ponta das botifarras.
Num mundo rural, onde ainda não se sonhava sequer com o advento dos computadores e telemóveis, tenho satisfação em dizer que homens como o meu avô, os "Estafetas", que traziam produtos de outras terras distantes, foram os percursores do que chamamos hoje: "Vendas na Internet" .
Na foto, o meu avô paterno, João dos Reis Mendes, "João da Torrinha", também conhecido por "Parente Amigo".
Adorei ler .. Cada palavra tem um peso de sentimentos e muito orgulho..
ResponderEliminarParabéns
Obrigado, Maria Teresa, pelas suas simpáticas palavras......
EliminarConheci fui vezes levar perdizes e grilos,muito bom homem
ResponderEliminarLucílio Bamond
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