Hoje é o Dia do Trabalhador.
Uma Nação forte precisa de todos os seus cidadãos para a desenvolver com o seu trabalho e dinamismo.
Um país pequeno como o nosso precisa de todos os seus filhos e não pode dar-se ao luxo de exportar os seus jovens, muito menos os que têm mais estudos...
Portugal precisa de gente para consumir o que a terra dá e precisa de gente para habitar as terras do interior.
Um país só é grande quando os seus filhos não querem ou não precisam de partir. E isso só é possivel quando todos têm um salário que lhes permita viver com dignidade...
Ainda temos um longo percurso a percorrer ...
Em homenagem aos trabalhadores, partilhamos aqui convosco um texto do nosso compadre Milheiras Cortiço, sobre os antigos trabalhadores rurais do Alentejo:
Migrações eram deslocações de gentes dos seus locais de origem para outros, à procura de melhores proventos para desafogo da sua vida.
Hoje, lembrei-me de ir ao encontro dos ratinhos,         trabalhadores rurais, vindos das Beiras, que demandavam a minha região         na época das “assêfas”(1), período que abrangia sobretudo os meses de         Junho, Julho e Agosto, no tempo em que os campos se doiravam de espigas         e o Alentejo se intitulava o “celeiro de Portugal”.
Lembro-me muito bem de os ver nas décadas de quarenta         e cinquenta do século passado, formando “camaradas”(2) que se         distribuíam pelas herdades dos grandes latifundiários, conforme já fora         combinado, antecipadamente, entre aqueles e o respectivo manageiro, seu         representante. Eram homens simples, laboriosos, humildes, francos,         fraternos, pobres de bens materiais, mas ricos de valores éticos e         comportamentais. Viajavam de comboio até Ponte de Sor e, se o contrato         não se formalizara com transporte, iam a pé para os montes de         acolhimento, só descansando para consolar o estômago com bocados de broa         e vinho envinagrado.
Ao passarem pelas Galveias (minha terra), formavam         colunas ao descerem a estrada macadamizada até ao alto da Azinhaga de         Avis, embrenhando-se depois por caminhos de pé posto. Por vezes, surgiam         alguns cachopos mais atrevidos que, com o intuito de os ridicularizar,         diziam:
– Ratinhos da Bêra,
Cómim pão e dêxam a farrenhêra!
                        e
– Ó ratinhos, rátim o pão,
Rátim o quêjo e o focinho do mê cão!
Eles, serenos, não lhes ligavam ou, a rir,         respondiam-lhes:
– Olhem que não!
Comemos a farrenhêra e dêxamos o pão!
                         e
– Somos ratinhos, ratamos o pão e o quêjo,
E às meninas, pedimos um bêjo.
Chegados aos montes, ocupavam as camaratas que lhes         estavam destinadas, arrumavam os sacos com os poucos haveres que traziam         e, enquanto descansavam, esperavam pela papança a que ferravam o dente         para enfiar na tripa. Alguns dos mais velhos garganteavam lamentações         sobre o raio da vida que lhes coubera.
Assim que o sacristão do céu acendia as primeiras         estrelas, iam deitar-se em cima de esteiras de bunho e, cansados,         dormiam a sono solto. No dia seguinte, antes do Ti Manel(3) nascer,         estavam preparados para enregar a safra.
Habitualmente, os ratinhos comiam e bebiam por conta         dos lavradores à “boca livre”(4), cujos comeres, substanciais, à base de         feijão frade, feijão catarino, grão, batatas, sopas de pão “todo um”(5)         e bóias de toucinho e enchidos de porco, eram levados por um criado da         lavoura designado por mantieiro. Sendo assim, recebiam pouco dinheiro         que forravam para governo da família. Porém, a maior parte das          “camaradas” trabalhava a seco, isto é, só por dinheiro, sendo         responsável pela sua fraca mantença, não abdicando cada um dos seus         membros, de poupar, poupar, chegando até à sovinice.
Normalmente, as “assêfas” começavam pela aveia,         depois o centeio, a cevada e por fim o trigo.
Era um trabalho árduo! Feito de sol a sol, debaixo de         um calor tórrido, desempenhado corajosamente, encharcava-lhes o corpo de         suor e, eles, com ansiedade, esperavam, de quando em vez, a vasilha de         água que emborcavam com sofreguidão, para se dessedentarem. Mesmo assim         com o sol em brasa, algum dos mais afoitos interrompia o trabalho,         erguia a cabeça e, com voz vibrante, desabafava:
Fui ao livro do destino,
Minha sorte procurar.
Em todas as folhas li,
Que nasci p`ra trabalhar.
Chegados ao pôr-do-sol desapegavam do trabalho e, se         as noites estivessem quentes, estendiam uma manta sobre o restolho e ali         mesmo se entregavam a Deus para que lhes desse um santa noite e forças         para o dia seguinte.
Concluídas as “assêfas”, faziam as contas. Desta vez,         o manageiro oferecia uma boa pinga, cujo efeito se notava na algazarra         que alvoroçava os montes por meio de cantos, choros, gritos,         agradecimentos e vivas.
No dia seguinte, tocava a reunir e faziam-se ao         caminho do regresso. Chegados a casa, tinham caloroso acolhimento, sendo         recebidos com gritos de júbilo e lágrimas de saudade.
As minhas raízes ruralista e campesina de que me         orgulho e nunca esquecerei, levaram-me com este pequeno texto, a         perpetuar o trabalho destes homens “d`uma cana” (6) que, de pé firme e         mão vigorosa, ceifavam o pão que nos matava a fome.
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(1) – as ceifas ● (2) – Ranchos ● (3) – Sol ● (4) –          Barriga cheia ● (5) – Escuro ● (6) – Rijos

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