Segue a noivinha pelas ruas da Terra, de branco vestida, rendas e laços a  apertarem-lhe um corpo que não conhece o sol. Calça sapatos delicados, novidade  digna deste dia só e pisa as ruas de terra batida, de cantos irregulares,  equilibrando-se precariamente no seu novo estatuto. Ao avançar, agarra com força  o molho de papoilas, malvas, chagas-de-cristo e outras boninas que lhe  perfumam o colo desde a manhã. Aperta-o contra si própria como mezinha caseira  ou rasto de superstição herdado nem sabe de quem. Criança na manhã de ontem e  hoje senhora da sua casa, que é para isso que seu pai a criou, se matou a  trabalhar nas terras da Terra em dias e noites que não importa lembrar, que hoje  é grande a festa. 
 Para  trás, na poeira do caminho, ficam também as semanas de bolo batido em casa, o  pão amassado em série, tarefas das mulheres que entregam a mulher que hoje aqui  se constrói. (Por entre conselhos segredados ao ouvido, os risos das que já  conhecem os suores e os cheiros da primeira noite do resto da sua vida, a  noivinha que ainda é criança vai ouvindo, de olhos no chão e rosto encarnado,  sem saber onde encaixar tanto saber novo que vem todo de repente, inundar-lhe o  coração de medos. As suas mãos não param para não dar parte de fraca e amassa  com força, liberta-se toda dentro da massa do pão. Bate com força com a colher  de pau contra as paredes da tigela de barro e reza por dentro para que o barulho  do material tosco no poial se sobreponha ao descompasso do seu  peito.)
 Vai  pela rua nova a menina-mulher de braço dado com o Pai, com a bênção da Mãe que a  beijou e lhe deixou o sinal da cruz na testa antes que a porta batesse. A casa  cheira a sabão, as lajes brilham, há bolos de coco, línguas de sogra,  rosquinhas, bolos da raspadura e licores de muitas cores em cima da mesa posta  para os vizinhos que vieram ver o vestido, beber uma saúde ao novo lar, nascido  hoje. Antes de sair, esteve a noivinha sentada numa cadeira de palhinha,  cumprimentando os convivas, fingindo-se envergonhada, sabendo que é linda e  gozando o momento, que os panos finos que a envolvem hoje, perderão a sua função  passada a meia-noite. Tal qual o sapatinho de uma Cinderela de quem ela nunca  ouviu falar.
Foto : Tia Idalina de Alcáçovas.
Fotografo: Filipe Bacalas.
Foto : Tia Idalina de Alcáçovas.
Fotografo: Filipe Bacalas.

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