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sábado, 23 de maio de 2020

Temos de preservar o que é nosso !...







Parar é desistir e desistir é manifestamente impossível !!!
Resistência, tradição, ruralidade, regresso ao passado, nostalgia, preservação e reavivar de sabores de outros tempos, tudo isto se poderá resumir em apenas duas palavras, estas são o “ Vale Machoso ”.
O Vale Machoso orgulha-se de se distanciar da figura de estarmos perante tão só e apenas de mais uma horta destinada à mera produção e recolha de produtos hortícolas, pois tudo aqui é bastante mais complexo relativamente aos objectivos e propósitos a atingir, sendo a preservação das variedades regionais, quer sejam estas hortícolas, videiras ou árvores de fruto, sem fundamentalismos, provavelmente o mais nobre de todos os seus desígnios.
Enfrentamos hoje em dia um processo de extinção em massa e pelo qual somos integralmente responsáveis, não apenas das espécies animais e vegetais que connosco partilham o planeta, mas também das variedades hortícolas e frutícolas, as quais sofreram um processo de selecção natural ao longo de séculos, que foi desenvolvido e nos foi legado pelos nossos antepassados, cujos padrões de vida actuais ditaram a sua interrupção ou mesmo retrocesso.
No que a variedades frutícolas diz respeito, quando nos dirigimos aos hipermercados encontramos sempre as mesmas e limitadas variedades, na sua maioria estrangeiras, como por exemplo, maçãs Royal Gala, Golden Delicious ou Starking, pêras Willians ou Conference. Até as variedades nacionais são aqui diminutas, pois muito poucas atingiram estatuto comercial, como foram os casos da pêra Rocha ou da maçã Bravo de Esmolfe.
O problema estendeu-se ainda aos viveiristas, que praticamente só comercializam estas mesmas variedades, mesmo quem queira adquirir outras fruteiras para plantio encontra aqui um atroz mar de dificuldades.
Mas, o que foi então feito das centenas de variedades regionais que em outros tempos chegavam à nossa mesa, dotadas de sabores próprios e característicos, bem longe dos padrões estandardizados de hoje em dia? Uma grande parte, infelizmente, está já perdida para todo o sempre, outras apenas sobrevivem em centros de experimentação agrária tutelados pelo Ministério da Agricultura e, por fim, outras estão por aí, em hortas e terrenos ao abandono, sem que ninguém dê pela sua presença. Pois, é sobre estas últimas que o Vale Machoso tem incidido o seu trabalho, realizando a pesquisa, identificação e propagação das variedades regionais gavionenses.
Os mais velhos certamente se recordarão de ouvir falar em coisas como, pêros, maçãs de Inverno, Camoesas (que por vezes eram utilizadas na fermentação do vinho), pêssegos de sangue ou da ameixa Pechegal. Ao contrário do que acontece na vinha, em que todas as castas, apesar de por vezes diversos, possuírem designações ou nomes próprios, aqui, muitos dos nomes atribuídos ás variedades foram entretanto perdidos com a extinção das gerações mais velhas, mas ainda assim foi possível verificar que o mais recorrente eram as designações serem atribuídas pela época de maturação, como figueiras ou pessegueiros de S. João, maçãs de inverno ou ameixas de Santo António, ou ainda variedades temporãs ou serôdias, consoante as fruteiras permitissem uma recolecção precoce ou tardia. Sendo que em todas estas designações cabiam várias variedades completamente distintas, tratando-se assim de “nomes colectivos”, em que o factor dominante para a identificação ou designação seria a “época”. Contudo, incube aqui salientar, que no contexto da cultura popular caberá sempre um pouco de tudo e mais alguma coisa.
Apesar de o cenário ser dantesco, acreditem meus irmãos, ainda subsistem verdadeiros tesouros. O melhor destes cenários que na actualidade pude verificar, prende-se relativamente ás pereiras, pois são árvores de grande longevidade e por aqui com alguma hegemonia varietal, bem diferente por exemplo das figueiras, em acentuado declínio, ameixeiras ou mesmo das macieiras, na minha opinião o verdadeiro ex libris das variedades regionais de fruteiras, dotadas de ampla diversidade.
Tudo começa pelo trabalho de campo, com a procura, pesquisa, identificação e selecção, tentando sempre que possível, saber um pouco da história desta ou daquela árvore. Depois, passamos à fase seguinte e mais complexa de todas, ou seja, a recolha de material vegetativo e sua propagação. Desimaginem-se aqueles que pensam em arrancar rebentos junto ao pé das árvores ou semear caroços dos frutos, poderão a partir daí obter uma árvore 100 % fiel à planta mãe, pois se no primeiro caso tal não é garantido, diria que no segundo é de todo impossível. Dessa forma, é necessário obter o material vegetativo destinado à propagação através das copas, seja mediante a recolha de garfos para enxertia, realização de alporquias ou enraizamento de estacas lenhosas, sendo que os métodos, na grande maioria dos casos não são transversais a todas as fruteiras.
No próximo ano, o Vale Machoso irá assim realizar o plantio e enraizamento de porta enxertos com recurso a varas de marmeleiro, para posterior enxertia de variedades de pereira e macieira, bem como e para o mesmo efeito, tentar obter junto de viveiristas porta enxertos de macieira, pereira e ameixeira.
(...)
Para terminar meus irmãos, quero comunicar-vos o seguinte, para quem tiver real e efectivo interesse nas variedades regionais e antigas do nosso Gavião e, pretender assim alguma planta para o seu quintal ou horta, poderá para o efeito entrar em contacto comigo, pois no próximo ano e dentro das disponibilidades existentes, terei todo o prazer em facultar o que for possível. Pois o objectivo central de tudo isto não passa pela posse, mas sim pela preservação, a qual só será possível através da partilha e difusão no contexto da agricultura tradicional e familiar.

Texto e fotos da autoria do nosso compadre Rui Delgado, ( Vale Machoso, Gavião )

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