Projeto do arquiteto José Filipe Ramalho põe fim à degração de edifício histórico.
O Paço dos Henriques, em Alcáçovas, vai ser recuperado. Trata-se do local onde foi assinado o Tratado de Alcáçovas, precursor do de Tordesilhas, e que está ao abandono. O projeto de recuperação é da autoria do arquiteto José Filipe Ramalho. As obras avançam depois de o imóvel ter sido cedido pelo Estado ao município de Viana do Alentejo por um período de 20 anos.
Fundado no século XIII, o Paço dos Henriques, também conhecido por Paço Real, conheceu o seu momento de maior esplendor em 1479 quando D. Afonso V ali recebeu uma embaixada dos Reis Católicos (Isabel I de Castela e Fernando II de Aragão) para assinar um tratado precursor do de Tordesilhas.
Através do Tratado das Alcáçovas, Portugal viu reconhecido o seu domínio sobre os arquipélagos da Madeira, Açores e Cabo Verde, ficando Castela com as Canárias e renunciando a navegar para sul do cabo Bojador.
Local de residência dos Henriques de Trastâmara, “senhores” das Alcáçovas, o edifício foi objeto de uma profunda remodelação em meados do século XVI. A última família ali residente saiu por altura do 25 de abril. Depois o imóvel foi sede de uma cooperativa agrícola, antes de ser deixado ao abandono, o que não se alterou com a sua integração no Património do Estado em 1994.
Em declarações ao AEL, o presidente da Câmara Municipal de Viana do Alentejo, Bengalinha Pinto, revela que a intervenção prevista inclui a reutilização do imóvel com várias valências, como biblioteca, posto de turismo e espaço museológico, dotando-o de um auditório e de um núcleo documental. O pátio interior será aproveitado para atividades de ar livre.
“Trata-se da recuperação de um dos monumentos mais importantes do concelho, sendo o seu valor histórico e cultural reconhecido a nível nacional. As ofertas que este equipamento passa a disponibilizar depois de requalificado poderão significar um importante polo de desenvolvimento cultural e turístico para o concelho de Viana e freguesia de Alcáçovas, potenciando assim a atividade económica local”, acrescenta Bengalinha Pinto.
O projeto engloba ações de conservação no horto e jardins do Paço, e na capela de Nossa Senhora da Conceição. “A intervenção incide ainda sobre a reordenação da Praça da República, propondo-se a requalificação urbana da área do conjunto formado pelo Paço Real dos Henriques, a capela, o Horto e os Jardins, que constituem um valioso conjunto arquitetónico, e, enquanto espaço qualificado de cultura e lazer, um motor de regeneração urbana”, explica o arquiteto José Filipe Ramalho, em declarações ao AEL.
“O desafio mais interessante é possivelmente a adequação do programa de utilização ao edifico e às suas reais capacidades garantindo a sua coerência, com respeito pelo material histórico e pela sua estrutura física, promovendo a legibilidade do recurso, a adequação dos materiais, sistemas e técnicas construtivas e o princípio da intervenção mínima”, acrescenta o arquiteto.
José Filipe Ramalho refere que o projeto procurou, “a sustentabilidade da intervenção, tendo em conta a gestão e a manutenção do conjunto, perante os recursos disponíveis”.
Bengalinha Pinto recorda que desde a integração do edifício no Património do Estado apenas foi feita uma recuperação dos telhados. “Por um lado o Estado referia que não tinha disponibilidade financeira para qualquer intervenção, por outro lado os anteriores executivos autárquicos não tiveram a determinação suficiente, nem vontade política, para encontrarem uma solução para o imóvel”.
O autarca diz terem sido entretanto executadas diversas obras de limpeza e manutenção no interior do edifício e nos pátios, designadamente ao nível das portas, paredes e recuperação de pinturas, que lhe conferem “um mínimo de dignidade”.
“Os projetos para recuperação do imóvel e espaço envolvente estão executados e aguardam um aviso de abertura de concursos a fundos comunitários para que a autarquia possa apresentar a respetiva candidatura”, sublinha Bengalinha Pinto, revelando estar em causa um investimento de 1,2 milhões de euros.
Povoação de fundação muito antiga, Alcáçovas situa-se sobre vestígios da via romana que ligava Ebora Liberalitas Iulia (Évora) a Urbs Imperatoria Salacia (Alcácer do Sal), derivando o seu nome da designação árabe Al-qacabâ para "cidadela fortificada", tendo sido repovoada em 1259 por D. Martinho, Bispo de Évora, que lhe concedeu foral, antes de D. Afonso III (1210-1279) a elevar a vila após incluí-la nos bens da Coroa.
O seu posicionamento estratégico no território português, assim como a adaptação, por iniciativa de D. Dinis (1261-1325), de um dos castelos a residência real, e a obtenção, das mãos de D. Afonso V (1432-1481), do primeiro senhorio de Alcáçovas, por parte de D. Fernando Henriques, foram, certamente, razões suficientes para que o "Paço dos Henriques" fosse palco de múltiplas cerimónias de assinalável envergadura e importância política e social. Uma relevância acentuada quando da assinatura do Tratado de Alcáçovas, em 1479, que pôs termo à guerra de sucessão da coroa castelhana.
A par da casa, propriamente dita, a classificação abrange a área ajardinada e a capela de Nossa Senhora da Conceição edificada no século XVII, para a qual foi necessário remodelar profundamente a área habitacional.