O Alentejo tem sido notícia, com um certo sabor ao seu passado camponês, pelos frequentes episódios de exploração desumana do trabalhador rural.
Desta feita não na ceifa das planícies, mas na apanha da azeitona nesse reticulado industrial de olivais que nunca chegam a ser árvores.
O "ganhão", que trabalha à jorna, não fala português, e dir-se-ia que o trabalhador rural alentejano passou a ser na sua maioria os ratinhos de outrora, já não vindos das beiras, mas do leste cigano da europa ou de longínquas paragens asiáticas.
Serem noticia não se lhes deve tanto ao seu exotismo, já os anteriores ratinhos beirãos das ceifas do séc. XX eram afamados pelo seu alarido.
Antes se deve à retomada dos mesmos epítetos com que José Alves Capela e Silva, no livro Ganharias de 1939, descrevia “toda essa população aventureira e miserável, que invade a planície, — em contraste com os seus naturais em geral de temperamento sedentário, — á mingua de recursos nas suas terras, e que se sujeitam às mais baixas missões nas lavouras”.
Em como permanece o sentido depreciativo, desse “rato ou ratinho [que] significa para a ganharia, uma coisa inferior, quási desprezível.” Ou como permanece nos novos ratinhos do séc. XXI o “descanço fugidio, porque a ceifa de ratinhos não é trabalho para entreter.
Desde que chegam até ao dia da abalada, sentem cair sobre eles o peso despótico do mundo que os rodeia.”
No cenário renovado dos campos de hoje, novos actores desempenham o mesmo papel que outros antes assumiam.
Também o “manageiro” que mediava com os senhores das herdades é agora um efémero empresário actuando nas Empresas de Trabalho Temporário (ETT).
Uma fórmula perfeitamente legal que cobre as actividades sazonais enquanto excepção ao contrato de trabalho sem termo; e uma fórmula perfeitamente imoral que vai impondo um salve-se quem puder ao trabalhador rural. Uma fórmula no entanto perfeitamente normal e esperada na engrenagem capitalista do agro-industrial.
Estes senhores do latifúndio permanecem como os actores por excelência que dão início à peça em cartaz. São reputados empreendedores do novo Alentejo agrícola.
O seu papel, nesse ponto tantas vezes elogiado, como por magia some-se do elenco quando são noticiados casos atrás de casos de exploração e escravatura, da desumanidade das condições nos olivais e do tráfico de seres humanos alimentado por redes mafiosas operando a coberto das ETT. Nas muitas reportagens que se tem sucedido, o seu nome e o nome das herdades não está lá, como se nada fosse com eles. Pilatos, não faria melhor. (...)
Texto da autoria do nosso compadre Filipe Nunes copiado (parcialmente) do Diário do Alentejo
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