O Guadiana era fonte de vida para todas estas gentes, era das suas águas que saía o barbo a boga e as enguias, á época espécies tão importantes na gastronomia local. Das suas margens vinha o buinho, a junça, a atabua, cujas aplicações iam desde o fundo das cadeiras até á cobertura da serra de palha, passando pelas casas dos melões e dos paios, era também com a força das suas águas que moíam o trigo, com o qual se fabricava o pão que constituía a base de alimentação.
Por tudo isto o rio desempenhou um papel importantíssimo em toda a minha geração era parte das nossas vidas não tínhamos PlayStation e muito menos computadores, um ou outro alguma bicicleta mas muito raras, era no rio que passávamos grande parte dos nossos tempos livres, de verão eram constantes as idas e vindas ao rio era de lado de Mourão. ( já em Espanha ), os melhores sítios para tomar banho havia uma cascalheira em declive que para nós era a praia perfeita a água era limpa o rio mesmo de verão tinha um caudal forte e só de barco era possível transpor-lo vezes sem conta fomos transportados pelo Ti Joaquim peixeiro, bom homem, penso que Montesarense por nascimento e pescador de profissão, que vivia numa malhada sobranceira ao rio, e que tirava dele a sua subsistência, era um homem de poucas falas curtido pelo sol e pelas agruras da vida, recordo-me que usava uns óculos muito grossos tipo fundo de garrafa e ainda hoje parece que o vejo vergado sobre o peso de uma caixa retangular de madeira onde transportava os peixes, e de onde saiam duas cordas que enfiava nos ombros, algumas vezes me interroguei sobre o porquê do aparentemente tão incomodo recipiente, mas hoje percebo que deveria ser a única forma de fazer chegar aos clientes a mercadoria em perfeitas condições, já que o percurso até às aldeias vizinhas era feito a pé e a distancia ainda era considerável.
Quis o destino que o mesmo rio que lhe deu vida também lhe a tirasse, morreu afogado no Guadiana subsistindo até hoje a dúvida se foi um acidente ou se suicidou. De Inverno pescávamos á linha bogas e deitávamos os guitos e as cordas para os barbos e enguias, de primavera e verão a pesca era ao achegã, todos nos iniciávamos muito cedo nas artes da pesca normalmente pela mão dos homens mais velhos, ainda me recordo da minhas primeiras vezes não deveria ter mais que 7 ou 8 anos e precisamente por isso para a ribeira (rio) só com alguém de muita confiança, era com o Domingos Palhas e o Cacharamba que os meus pais me deixavam ir, á época não sei o que mais me seduzia se a pescaria se a viagem até ao rio já que era feita montado numa burra.
Ambos eram pescadores experimentados o Domingos Palhas porque sendo um pequeno seareiro as labutas agrícolas deixavam-lhe algum tempo livre o Cacharamba tinha todo o tempo do mundo já que homem ainda jovem e em consequência de um acidente de trabalho no monte do Barrocal tinha ficado incapacitado deslocando-se com a ajuda de dois cacheiros daí a alcunha de Cacharamba, as canas normalmente eram da índia e as boias todas elas de fabrico artesanal feitas a partir de um qualquer bocado de cortiça, era de inverno e prolongando-se até ate á primavera o melhor período de pesca, era a mim que normalmente competia a tarefa de na véspera arranjar as minhocas, no dia e á hora combinada lá aparecia o Cacharamba montado na sua pequena burra branca, logo precedido pelo Domingos Palhas, que contrariamente ao habitual nesses dias montava a burra mais pequena, já que era a mais arisca, reservando-me para mim a mais mansa não queria o pobre homem arriscar, já que a preta tinha fama de vez em quando pregar com os cavaleiros no chão, o ultimo tinha sido o Elói quando uma tarde regressavam da pesca e não querendo perder pitada do relato do Sporting se lembrou de ligar o pequeno rádio portátil que tinha levado consigo, o resultado não se fez esperar e em poucos segundos estava o Elói com os canastros no chão. QUE SAUDADES DO GUADIANA.
Texto: Isidro Pinto
Foto: António Caeiro