quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

Caça aos Grilos...

A Caça aos Grilos,  ( 1891) autor: José Malhoa




Caça aos Grilos...
Como sou alfacinha de gema, assim que acabava a época escolar e começavam as férias grandes, normalmente em meados de Junho, lá ia eu a caminho das Alcáçovas com a trouxa ás costas, a fim de passar uma larga temporada em casa dos meus avós paternos.
Isto de ser caçador de grilos tinha para mim uma grande importância e não era raro o meu professor primário dar-me uns tabefes e safanões valentes só porque eu estava distraído em plena sala de aulas, arquitectando estratégias e planos totalmente maquiavélicos para caçar os pobres grilos desprevenidos quando os apanhasse a jeito...
Bom, isto de ser caçador de grilos tinha muito que saber....
Os grilos eram bichos muito espertos e também estavam sempre atentos á aproximação de putos como eu. Por norma, eu ia sózinho porque os outros miúdos eram muito barulhentos e não levavam a caçada a sério.
Normalmente, o meu território de caça era na área da Fonte do Concelho e Vale de Freixo, porque ainda hoje estou para perceber, haviam imensas tocas de grilos na zona.
Assim, antes de sair de casa, reunia o meu material de campo, composto por uma mochila com várias caixinhas de fósforos com dois buraquinhos cada, uma garrafinha de água, uma palhinha grande e duas ou três folhas de Alface.
A Fonte do Concelho fica situada a cerca de dois quilómetros da vila e naquele tempo, não haviam vedações a delimitar propriedades como agora.
Resultado: Aquilo era tudo meu...
A caçada começava assim que eu ouvia um grilo a cantar. Pé ante pé, ia-me aproximando devagarinho da toca, sem fazer barulhos, porque senão o magano do grilo calava-se e eu perdia a noção onde estaria o esconderijo dele.
Mas normalmente corria bem e eu lá localizava a toca sem grandes dificuldades. Então, enfiava a palhinha no buraquinho e o grilo saía disparado. Eu apanhava-o á mão e metia-o numa das caixinhas de fósforos com um pouco de alface, para o bichinho não passar fome.
Se o grilo não saísse logo á primeira, a técnica seguinte era urinar em cima da toca.
Normalmente resultava, o problema é que a vontade de urinar não durava para sempre e era aí que entrava a garrafinha de água. Como a Fonte do Concelho tinha sempre água a correr, arranjar liquido para afugentar os grilos das tocas era muito fácil...
Depois, havia que distinguir se os grilos eram machos ou fêmeas. As fêmeas têm três rabos e não cantam, logo não eram úteis para o negócio...
O meu avô João da Torrinha vendia os grilos nas lojas de animais em Lisboa e só queria aqueles que fossem machos e estivessem em perfeitas condições. Assim sendo, os grilos pernetas também não eram levados para cativeiro... ( os grilos são animais que lutam entre si se estiverem juntos e tiram as pernas uns aos outros nessas ditas lutas ).
Também havia a questão da concorrência: os outros miúdos da nossa vila também apanhavam grilos para vender ao meu avô...
Por esse motivo, haviam zonas de caça especificas e nada de invadir os territórios de cada um. Ás vezes, as lutas entre nós eram apenas para definir regras e áreas de caça... Uns murros e uns pontapés, nada de grave, portanto...
Tenho saudades do tempo em que haviam grilos no Alentejo. Hoje, ando pelo campo e não os oiço....
Ás vezes, penso que sou eu um dos culpados por já não haver grilos com fartura e tenho pena dos miúdos de hoje que desconhecem as técnicas da nobre arte de caçar grilos no campo...

A minha área de caça aos grilos, Vale de Freixo, é hoje uma pocilga gigante, cheira mal e a água suja das escorrências dos porcos atravessa este pequeno vale, em direcção á Ribeira de Alcáçovas. 
E ninguém faz nada, ninguém quer saber...
Fotos de grilos retiradas da internet.

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