Ribeira do Lucefécit. Que misterioso ribeiro é este cujo nome é tão temido que um rei sábio se recusou a dizê-lo? Lucefécit significará aquilo que pensamos? E se assim é, por que razão o apelidaram dessa forma?
A Ribeira do Lucefécit corre por terras sagradas, disso temos provas que estão à vista de qualquer um, a começar pelo facto de contornar o Santuário da Rocha da Mina, que poderá estar ligado ao culto de Endovélico. Continua o seu caminho para sul e passa a norte da histórica freguesia de Terena, onde abre alas, transformando-se quase em lagoa. Volta a fechar e segue caminho até desaguar no Guadiana, junto à fronteira com Espanha, deixando para trás vários exemplos de megalitismo em território português.
Abrindo a discussão, Lucefécit poderá derivar tanto do árabe como do latim.
No primeiro caso, Lucefécit poderá resultar da conjunção de vários termos, todos eles árabes, dos quais sobressaem: al e oucif (que significa negro). No segundo caso, falamos de quem o topónimo sugere: Lúcifer. Sendo que tal nome só tem conotação negativa a partir de certo momento da história.
Lúcifer foi a tradução latina feita para descrever Vénus, a estrela da manhã, portadora (ferre) da luz (lux), daí se transformando em lucisferre, que derivou em Lúcifer – antes de endiabrarem tal termo, devemos lembrar que no Novo Testamento, Jesus autoproclama-se estrela da manhã. A igreja, que durante anos tentou demonizar qualquer vislumbre de adoração pagã, onde Vénus obviamente estava incluída, tratou de associar o termo a Satanás, pai dos demónios da natureza. O trabalho foi bem feito, tanto que ainda hoje os cristãos mais crédulos evitam usar o seu nome.
E salta a pergunta: a acreditar que o topónimo tem raízes no latim e não no árabe, para quê dar tal nome a esta ribeira? Hipoteticamente, pela mesmíssima razão. Como já foi dito, estas águas correm por montes sacralizados, onde as referências físicas e simbólicas a deidades pagãs pululam. A escolha deste nome poderá ter servido o propósito de diabolizar uma zona que a igreja via como infiel ao seu Deus único, transformando-se assim numa espécie de espantalho para gestos que o poder clerical considerava como ameaça à sua religião.
Afonso X, o rei sábio, parece não ter dúvidas, e numa alusão à ribeira, recusa-se a pronunciá-lo nas suas Cantigas de Santa Maria: d’un rio que per y corre, de que seu nome nom digo.
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