terça-feira, 11 de setembro de 2018

O ADN Alentejano... ( By Adriano Figueiredo)


As imagens que têm vindo a ser publicadas neste blogue por si ilustram com muito rigor belíssimos lugares e freguesias que se viram esvaziadas de alguns dos mais importantes componentes da sua identidade por variadas circunstâncias.
Estas circunstâncias passam pelas ofertas de trabalho, serviços e 'novidades' que têm vindo a orbitar os grandes centros urbanos e têm arrastado consigo à luz destes conhecidos 'aliciantes' a generalidade dos residentes jovens e menos jovens.
Passam ainda pelo esvaziamento destes sítios de serviços básicos e não básicos públicos ou de caracter público à medida que estes deixam de ser financeiramente simpáticos aos seus administradores.
Passam também pela mecanização dos processos de produção que desnudam o tecido rural da mão-de-obra desnecessária, das espécies autóctones, ou mais tradicionais e quiçá mais sustentáveis.
Dos elementos identitários desses e de outros sítios, para além dos perfis dos seus horizontes geográficos, do levante do Sol, da Lua, de demais astros, do chilrear das águas e de outros elementos provocadores dos nossos sentidos pouco mais está a restar.
Foram-se as relações familiares, as relações de vizinhança e as relações de produção.
Foram-se os cantares coletivos pelos campos, as conversas que artesãos, jornaleiros e outras gentes tinham com as suas alfaias e com os seus animais nas suas lides diárias.
O pedreiro e as suas longas conversas com as pedras enquanto lhes ajeitava as formas com o pico e as aconchegava ao perpianho com o alvião. (Anda cá linda, tu não és daí, vira-te para mim, deitada é aqui que ficas bem).
O marceneiro nas suas longas conversas também sensuais enquanto afagava com mão firme uma peça de madeira de cerejeira branquinha que iria emparelhar com outra de mulato e duro negrilho. (Vou tornear-te e amaciar-te toda, vais ficar tão casadinha com este tição que nunca mais se vão 'deslargar').
As conversas que este povo tinha com a gadagem a quem tratava por tu e por nomes próprios ao longo do dia e com quem dormia sob o mesmo telhado.
Aromas e sons, sabores que nunca mais se sentirão ondulando por estes nossos sítios.
Os cheiros do mosto nos lagares, nas prensas e o da pasta das azeitonas nas ceiras a espremer.
O chiado dos fusos de madeira dos lagares e o ritmo das mós de pedra nos moinhos à aborda d'água ou no cimo das serras.
Os longos gemidos dos carros de bois trepando carregados por montes e vales, os seus eixos de grossos madeiros amaciados com cebo ou sabão em barra rolando sob pesadas cargas de mato, de madeira, de pipas de vinho ou de estrume.
Sabores dos alimentos criados no ritmo das quatro estações do ano alimentados com estrume natural, os aromas da carne e peixe de salgadeira, de fumeiro, legumes e frutas de época estão a volatilizar-se.
São cenários de identidade de povos que não serão mais vividos assim.
Não voltam estes modos de vida sustentáveis, que se viraram modos de vida insustentáveis face à evolução agressiva de contextos socio-económico-financeiros.
As reabilitações físicas possíveis se existirem, virão com objetivos turísticos, serão museus de folclore, mas nem este será genuíno.
Os mais resilientes vão mantendo ainda parcial e retalhadamente os seus modos de vida; são os últimos bastiões das especiais características que constituem a identidade do sítio. 
São uma reserva de ADN cultural.
No entanto nem mesmo estes mais idosos e agarrados ao sítio estão a conseguir renovar-se e a conseguir reproduzir estes caldos culturais.
Vão diluindo-se as suas e nossas identidades culturais entre os que partem, os que chegam e os que todos e tudo recebem nas grandes urbes.
Muitas identidades perdem-se no modo e no tempo deste percurso.
Passaram e estão a passar todas para um etéreo acervo arqueológico da antropologia.
Memórias e percurso de um não-retorno...
Adriano Figueiredo
06-10-2018



Fotos: João Mendes e Raphael, O Pensativo.
Captadas em Alcáçovas. ( 2013 )

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