sábado, 18 de janeiro de 2014

A Tasca de Ourique-Gare

O escaparate desta magnifica taberna - o Monge do " bacamarte" ao lado da rifa das facas.

É do conhecimento geral a minha preferência por tabernas antigas, que se tiverem rifas de facas e venderem botas, sou para elas aliciado como o mel atrai as moscas.
No caso presente, trata-se de uma promessa que fiz aos meus leitores, quando há tempos passei de bicicleta por Ourique Gare e me deparei com um dos meus “antros” favoritos: uma taberna absolutamente decadente e que ainda por cima tinha como proprietária essa lenda da planície que dá pelo nome de Marianita da Estação.
Aquando dessa passagem prometi ali voltar com mais tempo; foi o que aconteceu no passado sábado já assim ao lusco-fusco.
Saí de Entradas em direcção a Aljustrel, depois Messejana, logo ali Conceição, e um pouco mais à frente onde se cruzam as linhas férreas que demandam estas e outras paragens, podia-se ler a placa toponímica, Ourique Gare. Bolas, podiam ter chamado à povoação Estação de Ourique, assim não estariam sujeitos à cacofonia brejeira que a junção dos nomes insinua.
Ali mesmo junto à estação ferroviária podemos encontrar este templo que dá pelo nome de “Café Primavera“ que como veremos mais à frente de café só tem mesmo uma máquina e um moinho que não vi funcionar, e acredito que se tal acontecer deve ser de tempos a tempos, pelo menos a avaliar pela qualidade e inspiração de confiança que tal equipamento promete.
Aí entrados somos confrontados com um cenário absolutamente indescritível, mas com a ajuda das palavras e de algumas fotos procurarei transmitir o espectáculo com que sou presenteado.
Este é um local que não “existe”. Duas das paredes estão pintadas com actividades alusivas à protagonista que não se encontrava presente aquando da nossa chegada. Numa das paredes uma cena de caça, e noutra, uma cena campestre de dimensões assinaláveis cujo pintor deve ter estudado na mesma escola dos pintores de restaurantes de “retornados” mas desta feita, em vez de Africa, o cenário é o Alentejo.


Decoração de parede (sic)!!
Nas restantes paredes, dezenas de miniaturas de alfaias e outras
ferramentas e artefactos, misturam-se com inevitáveis pares de cornos e cabaças secas de formas fálicas que são óptimos desbloqueadores de conversa para qualquer visitante inesperado.
No escaparate do estabelecimento, podemos admirar bebidas fora de prazo, rifas de facas, o sempre presente monge em estabelecimentos deste gabarito, cujo “bacamarte” surge quando lhe puxamos o cordel, e de entre outras coisas interessantes, 3 garrafas do pirolito original, que de imediato me transportaram para a minha meninice.

Quem se lembra do pirolito?

Atrás do balcão pintado de vermelho e branco, está o exemplo de um profissional condizente com o panorama que me é dado presenciar. Fiquei a saber tratar-se do neto da protagonista desta nossa incursão. Sérgio Miguel de seu nome, é o exemplo de taberneiro sacado de

Sérgio Miguel o taberneiro com o meu pai, meu companheiro destas incursões.

um qualquer filme de época. Barba de várias semanas e cabelo de vários meses emprestam-lhe um ar condizente com o cenário deste templo de que (vá-se lá saber porquê) sou um incorrigível viciado.
Dona Mariana não estava, tinha ido dar de comer aos borregos, mas que regressaria daí a instantes – segundo palavras de outros convivas que se preparavam para deitar abaixo uma travessa de camarão trazida por um dos parceiros de petisco.
Mal esta chegou, meteu de imediato conversa afirmando lembrar-se de mim, aquando da minha anterior passagem de bicicleta.
Como com esta mulher a conversa não tem que ser tirada a saca rolhas, conta-nos a sua história sem que a tenhamos que questionar.
-Chamo-me Mariana Maria e não tenho mais nenhum nome, nasci a 11 de Abril (mesmo dia que eu) de 1932, e sou uma de 12 filhos nascidos da barriga da minha mãe no Monte do Atravessado (mas não nasci de atravessado, diz zombando, sabendo que o nome do monte se permite a estes trocadilhos) perto do Encalho ali a 3 Km de Ourique.
Aí vivi e cresci até aos 17 anos, altura em que conheci o pai das minhas 3 filhas, mas aos 25 já estava sozinha, afirma.
Trabalhei sempre em estações de caminho de ferro. Vila Nova da Baronia, Torrão, Feijó, Algarve, Beja e por fim no Carregueiro, antes de vir para aqui em 1982.
Mariana da Estação, como é conhecida, é uma personagem sui generis. Sempre vestida de forma masculina, cuja calça e camisa de homem, bem como a inseparável boina fazem parte da peculiar indumentária.
Mariana da Estação mostrando a sua carta de caçador.
No seu estabelecimento ainda hoje desafia qualquer um para cantar ao baldão, despique ou a vozes. Eximia caçadora e faz alarde em nos mostrar os documentos comprovativos desta sua actividade, que infelizmente nos diz já não praticar vai para três anos.
No bilhete de identidade que nos mostrou, um facto curioso ressalta: a ausência de nome materno, ou seja; é filha mas (segundo os registos), não tem mãe, é unicamente descendente de Eusébio Manuel, nome do seu progenitor.
À conversa com a nossa Calamity Jane
De entre muitos episódios e aventuras, registamos aquele acidente que teve com o seu compadre Chico Brissos de Entradas, onde ficou muito maltratada tendo permanecido 3 meses e 3 semanas hospitalizada em Lisboa. A amizade manteve-se e Chico Brissos convidou-a para “padrinho” sim padrinho, afirma com orgulho – ponha aí que eu sou padrinho e não madrinha daSusana, filha mais nova deste companheiro de muitas caçadas.
Mariana conta agora 75 anos, a nossa Calamity Jane das pradarias alentejanas, ainda nos confidencia que deixou de fumar há dez anos, que agora bebe menos mas o seu copinho ninguém lho tira.
Decadência não é sinónimo de higiene, e é por isso que muita gente ao referir-se a este espaço o fazem sempre com algum desdenhoso carinho, conforme atestam as histórias e anedotas(umas verdadeiras, outras inventadas) acerca desta peculiar mulher que hoje aqui vos trouxe na primeira pessoa.
Uma das mais conhecidas, é a de um cliente que lhe pede uma bifana. Mariana esfrega as mãos, cospe em cada uma delas e diz – Vamos à puta! (como que a dizer: é para já!)
Entretanto lá de dentro ouve-se Mariana gritar - Raio do cão não perde a mania de lamber o prato da manteiga!
Já de saída perguntei se aquela era a única taberna da aldeia, respondeu-me que havia mais, mas que café com licença até às 2.00 horas só o dela (sic!).

PS: Não quis aqui ferir quaisquer susceptibilidades, gosto genuinamente deste tipo de locais, cultivo-os, venero-os e não os troco por nenhum mega centro comercial com cheiro a perfume, miúdas giras e horários de limpeza afixados nas portas das casas de banho.
Espero sinceramente que os novos mentores da ordem (ASAE) nunca passem pela Estação de Ourique.

Copiado do Blog: http://pulanito.blogspot.pt/

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