Torrão é sede da segunda maior freguesia do País. É a terra que viu nascer Bernardim Ribeiro, escritor de Menina e Moça, e quase em cada esquina da vila encontra-se património. Fica a meio caminho de Évora, a meio caminho de Beja, mas pertence ao concelho de Alcácer do Sal e, consequentemente, ao distrito de Setúbal. Torrão conta com 2 758 habitantes e, como muitas freguesias do interior, tem vindo a perder população. É que o que falta em Torrão, segundo os habitantes, também é semelhante ao que acontece em muitos outros sítios do País: trabalho, para que mais ninguém tenha de sair.
Texto Bruna Soares Fotos José Serrano
O dia acordou chuvoso. A água, que caiu durante a noite e que não deu tréguas à manhã, encharcou os campos. O alcatrão que cobre o piso da EN2 não é exceção. É esta a estrada que leva até Torrão. E a chuva, essa, não para de cair.
Deixando o concelho de Ferreira do Alentejo para trás, na berma, sobretudo, avistam-‑se pinheiros e eucaliptos. O gado saiu para pastar, indiferente a qualquer gota de água.
Uma vez passados a Odivelas pouco falta para entrar no território do concelho de Alcácer do Sal e, consequentemente, noutro distrito: no de Setúbal.
Torrão é sede da segunda maior freguesia do País. Fica a 35 quilómetros de Alcácer do Sal. A 45 quilómetros de Évora, a 53 de Beja e a 87 de Setúbal. E é esta última distância que preocupa muitas vezes a população. Porque é lá, em Setúbal, que está o hospital do distrito.
“Temos cá um posto médico. Os médicos são cubanos, mas raramente lá vou. Graças a Deus não tenho precisado. Acontece que quando temos de ir ao hospital temos de ir a Setúbal. Em minha opinião, deveríamos de pertencer a Évora. A distância é muito menor”, afirma João Nunes, habitante de Torrão, enquanto as nuvens dão, embora só por breves momentos, tréguas.
João Nunes, junto à estátua de Bernardim Ribeiro, ilustre escritor da terra, motivo de orgulho de todos os nados e criados em Torrão, lamenta a sua má sorte, que é o mesmo que dizer: a falta de trabalho. “Estou desempregado. Trabalhava na construção civil, mas esta área está péssima e era o sustento de muita gente da vila”.
A agricultura, a par do comércio, é outro dos sustentos dos habitantes da freguesia. “Ainda há alguma pecuária, mas pouca, nada como antigamente. A agricultura está mais fraca, vieram as máquinas, que roubaram emprego a muita gente. Os olivais espanhóis também pouco trabalho dão. Isto está mau em todo o lado e aqui não é exceção”, argumenta João Nunes.
Na paragem de autocarro, embora não estejam à espera de nenhum, nem vão para parte alguma, sentam-se Francisco e António, que têm em comum, para além de habitarem a mesma localidade, o nome “José”.
Francisco José abre o guarda-‑chuva vezes sem conta. “Está ensopado, mas este tempo não o deixa enxugar”, adianta. Já António José, apesar do tempo embrulhado, não retira os óculos de sol. “Estamos reformados e entretemo-nos aqui até à hora de almoço, depois de tarde mais um bocadinho e a vida vai indo assim”, conta António.
Na rua, à procura de compradores, segue um casal. Para venda traz espargos. Mas a chuva, que continua a cair, afasta os potenciais clientes. Pouca gente se avista.
Francisco volta a pegar na conversa e apetece-lhe falar, antes, do que bonito há para se ver em Torrão. “Temos cá muitas igrejas e volta e meia aparecem aí turistas”, diz, começando a enumera-las: “A igreja de São Fausto, a dos Azinhais, a Matriz, a do Convento…”. Faltando-‑lhe somar ainda a do Carmo, a ermida de Nossa Senhora do Bom Sucesso, a igreja de São Francisco, a capela de São João da Ponte…e, claro, mais património edificado. E depois existe sempre a margem direita do rio Xarrama (afluente do Sado).
Numa das ruas, de casas baixas e brancas, passa Maria Engrácia. “Fiz toda a minha vida nesta terra. Sou nascida, criada, batizada e casada em Torrão. Esta terra evoluiu, mas cada vez há menos pessoal. Já viveu aqui muita gente, mas agora vive muito menos. Cada vez há menos crianças a nascer e há mais velhotes a morrer. Não há trabalho, não há nada, é natural que as pessoas sejam obrigadas a ir para outros sítios, para outras terras e até para o estrangeiro”, diz.
Os sinos da igreja tocam e a chuva, por breves momentos que seja, não cai. Os habitantes apressam-se a fazer os serviços. Entram no banco, nas pastelarias, nos supermercados, nos cafés, na junta de freguesia.
“Esta é uma terra com algum movimento e até estamos bem servidos de serviços. Bombeiros, posto da GNR, posto médico, biblioteca, piscinas. É uma boa terra, é a nossa terra e gostamos sempre dela”, explica Amândio Pereira, do alto dos seus 81 anos.
E da sua terra espera, sobretudo, “mais evolução”. “Tem condições para crescer, assim queiram apostar nela”, argumenta.
Bernardim Ribeiro, escritor português, nasceu em Torrão, concelho de Alcácer do Sal. Conhecido pela sua obra Menina e Moça, romance editado, segundo fontes, “por três vezes no séc. XVI: 1554 (Ferrara, com o título História de Menina e Moça), 1557-58 (Évora, com o título Saudades) e 1559 (Colónia, a partir da 1.ª edição)”. De Bernardim Ribeiro se diz que foi o introdutor do bucolismo em Portugal.
Património
Destacam-se, no que diz respeito ao património, a anta de São Fausto, a estátua do escritor Bernardim Ribeiro (natural de Torrão), a igreja Matriz, a igreja de São Francisco, a capela de São João da Ponte, o povoado calcolítico do monte da Tumba, o obelisco de Algalé, o Palácio dos Viscondes do Torrão, a igreja de São João dos Azinhais e a ermida de Nossa Senhora do Bom Sucesso, entre outros.
Museu Etnográfico do Torrão
O Museu Etnográfico do Torrão foi inaugurado em 2006 e pretende privilegiar duas vertentes bastantes importantes para o concelho: o fabrico de pão e a produção de azeite. É igualmente palco de exposições temporárias e de outras iniciativas culturais.
História de Torrão
A origem do nome Torrão vem de torrejam, que significa “torre grande”. Segundo informação disponibilizada pela Câmara de Alcácer do Sal, “conta com um grande passado histórico, sendo um povoado do período Neolítico. Foi zona de alguma importância no período dos romanos e esteve também sobre a influência árabe. A libertação deste domínio deu-se em 1217 (quando Alcácer do Sal também foi libertada) e Torrão foi então doado à Ordem de Santiago. A Ordem aforou Torrão em 1260, passando a ser vila da Ordem. Novo foral viria a ser concedido à vila em 1512, por D. Manuel I. Em 1490, D. João II, por altura do casamento do seu filho em Évora, concedeu as rendas de um ano de várias vilas, entre as quais as de Torrão. O concelho foi anexado ao de Alvito, tendo depois transitado para o de Alcácer do Sal, por decreto de 3 de abril de 1871.
Copiado do Diário do Alentejo, http://da.ambaal.pt/noticias/?id=2831
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