terça-feira, 14 de junho de 2016

O Ultimo Albardeiro

Albardeiro.  Autor desta foto: Artur Pastor





 
O ÚLTIMO ALBARDEIRO
Se não me falha a memória e pelo que andei a tentar verificar, a loja do último albardeiro na minha terra, ficava situada no local onde hoje existe uma boutique de moda numa das ruas principais da vila.
Anteriormente aquele espaço tinha sido uma oficina de ferrador que se mudou para outras instalações um pouco mais acima na mesma rua.
O Mestre Pechirra era uma pessoa muito conhecida e estimada na vila. Como muitos outros mestres de “ofícios” foi músico amador na Banda Municipal durante muitos anos.
Na oficina, além de trabalhar como um verdadeiro e genuíno artesão, tinha em exposição todo um conjunto de arreios e aprestos para equipar os animais de sela ou tiro. Os animais de sela, eram assim chamados porque o arreio que lhes era colocado, “a sela”, era acolchoado e cingia-se ao dorso (seladoiro) do animal para que nela se “assentasse” o cavaleiro. Havia vários tipos de selas, consoante a finalidade que o cavaleiro quisesse prosseguir.
Os animais de tiro (cavalos, machos, mulas, bois, burros) eram utilizados para puxar vários modelos de carros (carroças, charretes, etc.) e diversas alfaias agrícolas (arados, trilhos, charruas, noras, etc.), trabalho que podia ser feito por um único animal ou por uma ou mais parelhas.
Para todas estas situações, o Mestre albardeiro tinha solução e com grande competência e qualidade.
Uma vez, ainda jovem, ouvi esta conversa entre uma freguesa e o nosso albardeiro:
- Mestre Pechirra, eu precisava de um colchão novo, o senhor ainda faz colchões?
Na sua forma muito especial de falar, o Mestre respondeu:
- Faço sim, de que material e tamanho quer? Do melhor, assim-assim ou do mais barato?
- Queria do melhor! – retorquiu a freguesa e continuou: - Queria do melhor pano, da melhor palha de enchimento e o mais macio possível porque o colchão é para a minha filha…O tamanho quero corpo e meio de largura…
Não liguei mais à conversa e distraidamente olhei para tudo o que estava exposto nas paredes da loja: albardas, jogos de cabrestos, selas, arreios, arreatas, alforges, safões, pelicas, etc.
Entretanto e pela rua abaixo, dirigindo-se para o lado das herdades, passava barulhento e levantando pó, um dos raros tratores que naquela altura havia na localidade…
Mal sabíamos nós, ao ver passar aquele primitivo trator, que aquelas máquinas iriam tão rapidamente substituir nos trabalhos agrícolas os animais que há séculos eram companheiros e auxiliares preciosos da atividade humana…
O Mestre Pechirra, respirou fundo, levantou a cabeça e exclamou:
- Não sei para que é isto, estas máquinas estão sempre avariadas e incomodam toda a vila com este barulho infernal!...
No fundo, como homem inteligente que era, estava a compreender que a sua profissão estava a aproximar-se do fim… e assim quase aconteceu!
Mas se nós quisermos ela estará sempre connosco, na nossa memória, como o Mestre Pechirra e todos os albardeiros que, ao longo de séculos, contribuíram para o desenvolvimento do Alentejo e, o que é ainda mais importante, para o bem-estar das suas gentes.
Nota final: No Museu do Campo Alentejano, em Avis, estão expostos muitos dos utensílios e alfaias que eram manufaturadas pelos albardeiros. O Museu merece uma visita e através dela estaremos também a prestar uma justa homenagem a todos os nossos antepassados que com o seu trabalho ainda hoje e sempre fazem parte do viver e sentir alentejano.
João Mestre de Avis | 01-05-2016
Crónica copiada do grupo do Facebook:  https://www.facebook.com/groups/imagensdoalentejo/
Fotos: Pesquisa no Google.

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