segunda-feira, 17 de agosto de 2020
Já não há boas Melancias como antigamente...
O Vale Machoso em prol das variedades regionais !!!
Durante o Verão, quando chegamos à horta logo pela manhã, é deveras fantástico deliciarmos-nos com uma melancia fresquinha.
Esta melancia conta uma história já com alguns anos, que teve início em Margem, Freguesia do Concelho de Gavião conhecida noutros tempos pelas melancias que aí se produziam.
Sempre ouvi falar nas melancias de Margem, pelo que resolvi realizar uma pesquisa no terreno com o intuito de identificar variedades regionais, tendo como objectivo a recolha de sementes, A pesquisa revelou-se uma frustração total, pois as variedades hoje produzidas são exactamente as mesmas que o mercado fornece, estrangeiras e que qualquer um de nós pode encontrar nos hipermercados (Sugar Baby / Crimsom Sweet / Klondique), pois os hortelões haviam abandonado a prática de recolher e propagar as suas próprias sementes, recorrendo eles também ao mercado, o que conduziu ao fim das variedades regionais que antes aí eram cultivadas.
Em conversas mantidas, foi-me referido que umas eram de uma forma, outras de outra, algumas com casca branca e ainda outras de casca preta, mas certo é que ninguém já cultivava nenhuma delas, nem detinha em seu poder quaisquer sementes, pelo que após muita persistência dei o assunto por encerrado.
Mas por vezes os resultados surgem de onde menos os esperamos e o nosso esforço é assim recompensado, pois passado algum tempo e para minha completa surpresa, deparei-me com uma pessoa que antes havia contactado, a qual após a nossa conversa tentou fazer o possível por me ajudar, tendo obtido um saco de sementes de melancia junto de um ex hortelão de idade já avançada, que este teria ainda lá por casa, saco que gentilmente me foi oferecido.
O saco, de aspecto deplorável e com aparência de ter já alguns anos, foi cuidadosamente guardado até ao ano seguinte.
No ano seguinte foram estas sementes lançadas à terra, embora com pouca fé, o que se veio a revelar parcialmente correcto, pois muito poucas germinaram, provavelmente pela maioria ter já perdido a sua capacidade germinativa. Contudo, felizmente algumas germinaram e para meu total fascínio, foi possível identificar três variedades distintas, totalmente diferentes do que encontramos no mercado.
Estas variedades encontram-se desde então afectas ao banco de sementes do Vale Machoso e preservadas com todo o afinco, assumindo um cariz que diria quase religioso.
A melancia que visualizam nas imagens é uma destas três variedades, esta de cor verde, oblonga, irregular, rústica, polpa consistente, casca bastante espessa comparativamente às que estamos habituados e muito saborosa.
A variedade é super adaptada ao meio e resistente a doenças, sobretudo à antracnose, em muitos anos comum, a qual nunca vi afectar esta variedade, mesmo em momentos que outras o foram, nunca existindo a necessidade de utilização de fito-fármacos.
A sua espessa casca permite-lhe ainda ter alta resistência à radiação solar, pois a temperatura nesta região supera por vezes os 40 graus, algo nefasto para algumas variedades quando expostas, pois deteriora-lhe o interior ou potencia o surgimento de podridão apical, como são o caso das supra referidas.
Um banco de sementes não é algo fácil de manter meus irmãos, pois trata-se de um tesouro vivo e que periodicamente necessita de renovação, a qual só será possível voltando a plantar e a recolher novas sementes.
Estas fantásticas e deliciosas melancias, poderão assim ter sido salvas do destino a que muitas variedades regionais foram vetadas, ou seja, a extinção.
São um dos ex-libris do Vale Machoso, o qual assume neste contexto a sua rebeldia, rejeitando liminarmente a submissão à ditadura do mercado e uniformização de variedades e sabores que este nos impõe.
Para finalizar e como podem constatar nas fotos, foi salvaguardado o que de mais precioso esta melancia continha, que mais não são que as suas sementes.
Texto e fotos da autoria do nosso compadre Rui Delgado ( Vale Machoso, Gavião )
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