Todos os Percursos de Roda Pé da ADCMoura (“a caminhar” desde 2001) são especiais. Mas há uns mais especiais que outros. Como os dedicados ao contrabando.
Com a partida dos últimos contrabandistas, ficaram as suas histórias de vida com aqueles que tiveram o privilégio de os acompanhar, até 2008, nessa rota da memória entre Amareleja e Valência del Mombuey. São essas histórias que recuperamos aqui, protagonizadas por Carlos Mateus e Francisco Vasques, dois dos mais insignes contrabandistas desta zona raiana.
Nos tempos das ditaduras de Franco e Salazar, Valência del Mombuey era apenas uma das etapas do trajecto percorrido em terras espanholas pelos que, em Amareleja, se dedicavam à prática do contrabando. Os locais de destino, para esses muitos que arriscavam a vida a transportar produtos que escasseavam do outro lado da fronteira, podiam ser Oliva de la Frontera, Jerez de los Caballeros ou então Burguillos, o fim da linha, numa distância de sessenta quilómetros. O mesmo é dizer, pela calada de três noites ou dezanove horas de marcha em ritmo acelerado.
Quando as patrulhas de guardas-fiscais ou de carabineiros lhes adivinhavam os planos e saíam ao caminho, de duas, uma: ou abandonavam a mercadoria ali mesmo para tornar mais fácil a fuga ou eram capturados, sem apelo nem agravo.
Nascido em 1927, Carlos Mateus foi dos que não se livraram dessa desdita, ficando encarcerado em Oliva de la Frontera durante vinte e nove dias, e logo no seu tirocínio de contrabandista, com catorze anos acabados de fazer. E o padecimento e as picadas dos piolhos teriam continuado se ao trigésimo dia não ousasse uma forma de escapar do cativeiro, forçando a fechadura da cela com uma vulgar colher! A partir daí ficou “vacinado” para os muitos anos em que teve de enfrentar os perigos dessa actividade clandestina, e não mais as patrulhas lhe puseram as mãos em cima.
Para além de reputado contrabandista, era conhecido por outras ousadias, como a de saltar a partir de pontes, como a que cruza o Ardila, ligando Safara e Amareleja. Da última vez que tentou, acabou inanimado no fundo do rio. Tiveram de o ir buscar e conduzir ao hospital. Acabaram-se as actividades radicais, mas a “fibra” ficou intacta e a auréola de herói ainda mais reforçada.
Um dia mostrou uma fotografia sua, tirada quando tinha cerca de quarenta anos e usava fartas barbas até ao peito, e não é que parecia mesmo o Rasputine…de Amareleja!
No dia 9 de Abril de 2005, quando anunciou, em plena caminhada, a sua despedida como guia da Rota do Contrabando, contava 78 anos. Mestre Carlos Mateus acabaria por falecer em Novembro desse mesmo ano e é com muita saudade que o recordamos.
Já Francisco Vasques, mais novo, que não viveu o período da Guerra Civil Espanhola, recorda outras peripécias, como esta: “Tive seis motorizadas. Uma delas era uma Zundapp de cinco velocidades, que era uma máquina e que eu utilizava no contrabando, já em tempos mais recentes. Certo dia, empinou-se-me num cabeço, deu umas poucas de voltas e o resultado foi partir-se a loiça toda que trazia. Era quase toda pírex.”
Nascido em 1937, desde rapaz se lembra de usar uma boina basca, a sua imagem de marca, a condizer com o exercício dessa actividade clandestina, que o fazia andar ao frio e à chuva, permanentemente com o credo na boca.
Começou bem cedo, com um colega de ofício, a trazer e a levar mercadorias de e para Espanha, como saída para a falta de trabalho que então se fazia sentir; no fundo, para tentar remediar a vida. Nessa época, na década de 50 do século passado, vendia café aos espanhóis e trazia de Espanha toucinho, “baixinho e amarelo”, com que abastecia os comércios de Moura. Depois veio a fase do bacalhau e do pírex.
Nos tempos das ditaduras de Franco e Salazar, Valência del Mombuey era apenas uma das etapas do trajecto percorrido em terras espanholas pelos que, em Amareleja, se dedicavam à prática do contrabando. Os locais de destino, para esses muitos que arriscavam a vida a transportar produtos que escasseavam do outro lado da fronteira, podiam ser Oliva de la Frontera, Jerez de los Caballeros ou então Burguillos, o fim da linha, numa distância de sessenta quilómetros. O mesmo é dizer, pela calada de três noites ou dezanove horas de marcha em ritmo acelerado.
Quando as patrulhas de guardas-fiscais ou de carabineiros lhes adivinhavam os planos e saíam ao caminho, de duas, uma: ou abandonavam a mercadoria ali mesmo para tornar mais fácil a fuga ou eram capturados, sem apelo nem agravo.
Nascido em 1927, Carlos Mateus foi dos que não se livraram dessa desdita, ficando encarcerado em Oliva de la Frontera durante vinte e nove dias, e logo no seu tirocínio de contrabandista, com catorze anos acabados de fazer. E o padecimento e as picadas dos piolhos teriam continuado se ao trigésimo dia não ousasse uma forma de escapar do cativeiro, forçando a fechadura da cela com uma vulgar colher! A partir daí ficou “vacinado” para os muitos anos em que teve de enfrentar os perigos dessa actividade clandestina, e não mais as patrulhas lhe puseram as mãos em cima.
Para além de reputado contrabandista, era conhecido por outras ousadias, como a de saltar a partir de pontes, como a que cruza o Ardila, ligando Safara e Amareleja. Da última vez que tentou, acabou inanimado no fundo do rio. Tiveram de o ir buscar e conduzir ao hospital. Acabaram-se as actividades radicais, mas a “fibra” ficou intacta e a auréola de herói ainda mais reforçada.
Um dia mostrou uma fotografia sua, tirada quando tinha cerca de quarenta anos e usava fartas barbas até ao peito, e não é que parecia mesmo o Rasputine…de Amareleja!
No dia 9 de Abril de 2005, quando anunciou, em plena caminhada, a sua despedida como guia da Rota do Contrabando, contava 78 anos. Mestre Carlos Mateus acabaria por falecer em Novembro desse mesmo ano e é com muita saudade que o recordamos.
Já Francisco Vasques, mais novo, que não viveu o período da Guerra Civil Espanhola, recorda outras peripécias, como esta: “Tive seis motorizadas. Uma delas era uma Zundapp de cinco velocidades, que era uma máquina e que eu utilizava no contrabando, já em tempos mais recentes. Certo dia, empinou-se-me num cabeço, deu umas poucas de voltas e o resultado foi partir-se a loiça toda que trazia. Era quase toda pírex.”
Nascido em 1937, desde rapaz se lembra de usar uma boina basca, a sua imagem de marca, a condizer com o exercício dessa actividade clandestina, que o fazia andar ao frio e à chuva, permanentemente com o credo na boca.
Começou bem cedo, com um colega de ofício, a trazer e a levar mercadorias de e para Espanha, como saída para a falta de trabalho que então se fazia sentir; no fundo, para tentar remediar a vida. Nessa época, na década de 50 do século passado, vendia café aos espanhóis e trazia de Espanha toucinho, “baixinho e amarelo”, com que abastecia os comércios de Moura. Depois veio a fase do bacalhau e do pírex.
A partir de Espanha ou já em Portugal, próximo da fronteira, onde os espanhóis os escondiam atrás de azinheiras, carregou fardos e fardos do “fiel amigo”, uma iguaria nessa altura, que se destinava a vários restaurantes de Beja, tal como a loiça. Para o café do Luís da Rocha, em Beja, chegou a trazer três mil copos de uma só vez.
No princípio carregava estas e outras mercadorias às costas ou com a ajuda de burros, cujos cascos eram envoltos em sacas de serapilheira, quando deixavam os caminhos de terra e entravam em estradas de alcatrão, para não alertar os guardas. Aliás, os burros também eram contrabandeados, acabando nos talhos espanhóis.
No princípio carregava estas e outras mercadorias às costas ou com a ajuda de burros, cujos cascos eram envoltos em sacas de serapilheira, quando deixavam os caminhos de terra e entravam em estradas de alcatrão, para não alertar os guardas. Aliás, os burros também eram contrabandeados, acabando nos talhos espanhóis.
Mais recentemente, por alturas do 25 de Abril de 74, utilizava motorizadas nas suas andanças, correndo localidades e montes, chegando a deslocar-se a Pegões para deixar bombazina, que vendia como veludo.
Após aquela data, o negócio tornou-se menos atractivo devido à subida do valor da peseta. Apesar dos perigos que teve de enfrentar, nunca chegou a ser preso pela guarda-fiscal, embora lhe fosse retirada, em algumas vezes, a mercadoria que trazia consigo. Lembra sobretudo um guarda, que era de Santa Comba Dão, a terra de Salazar, que nunca lhe perdoava. Mas como não tinha emenda e a necessidade falava mais alto, Francisco Vasques voltava na noite seguinte para recuperar o prejuízo.
Entretanto desaparecido, é com igual saudade que o recordamos.
Após aquela data, o negócio tornou-se menos atractivo devido à subida do valor da peseta. Apesar dos perigos que teve de enfrentar, nunca chegou a ser preso pela guarda-fiscal, embora lhe fosse retirada, em algumas vezes, a mercadoria que trazia consigo. Lembra sobretudo um guarda, que era de Santa Comba Dão, a terra de Salazar, que nunca lhe perdoava. Mas como não tinha emenda e a necessidade falava mais alto, Francisco Vasques voltava na noite seguinte para recuperar o prejuízo.
Entretanto desaparecido, é com igual saudade que o recordamos.
Fonte e Fotos da Pág. ADCMoura
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