"Mas tu só vais conseguir
Esta terra possuir
Se a pintares com quantas cores o vento tem"
Susana Félix, Quantas Cores o Vento Tem
Na Terra não se corre. A pressa não serve aos de cá, a não ser que seja a de viver ou a de sorver o ar todo pela manhã. Aos da Terra, reconforta o lento viajar dos ponteiros do relógio de uma hora a outra perfazendo o ideal de gratidão- e não de passividade- que permite um tempo para cada coisa e cada coisa em seu devido tempo.
Todos sabem da urgência de não tornar nada urgente e de abrir o peito, os olhos, a porta de casa ao que o dia trouxer de novo. Ou de imutável, que é o que - dizem os outros- custa mais enfrentar com paciência, resiliência. Sobem nuvens na atmosfera, descem águas sobre o chão e sobre os homens; a noite faz-se menina para logo em seguida se fazer mulher madura, alta, impenetrável, até que a luz se imponha, a domine sem a aprisionar e morrem os velhos para se criarem os filhos.
Flores só as do campo: as macelas, as mimosas, alguns dentes de leão e as saudosas papoilas. Árvores que chegam sementes e ficam para sempre, arreigadas ao solo, numa relação eterna. Os homens, os animais, todos vêm e vão numa cadência pausada e num desfolhar quase guloso das páginas do livro desta Terra , onde ninguém é personagem principal e onde o final pega com o início, fechando um ciclo que não se quebra.
Quem parte- pés na estrada, tentativa de andar para a frente, olhos fixos na paisagem para trás das costas- leva no centro de si o equílibrio fundamental dos que respiram as estações do ano. As alterações subtis do vento, o movimento quieto do céu, que se percebe melhor quando visto do chão da planície, o cheiro de um madeiro que arde ou das palhas secas esvoaçando no campo, ajudam à memória de quem fica e o tempo divide-se entre esta ou aquela tarefa. No tempo dela. Porque outro não há senão o de fazer as coisas, o de abraçar com vontade o que tem de ser feito por uma (ou numa) Terra que é de quem a trabalha.
E os dias são todos longos e são todos dádivas para quem os quer ver assim. Entram neles muito mais do que números num calendário, pendurado por cima do poial na cozinha ou na parede da taberna. Os dias soam a pássaros madrugadores, chilreando, pipilando, assobiando nos ramos de todas as Primaveras. Sabem a fruta doce como o mel, de sumo escorrendo pelo bigode dos que se julgam mais sérios, em tardes abrasadoras com gosto de poeira de Verão. Aportam em si mil e muitas cores em Outonos de laranjeiras fartas, bolotas castanhas rolando pelo chão, fins de tarde dourados na linha de um horizonte longínquo. Cheiram a terra molhada pelas chicotadas da chuva de um Inverno que ninguém lá fora sabe tão duro, tão amo e senhor do que encontra pela frente. Os dias tocam-se com as mãos o ano todo, palmas para cima, adivinhando a humidade ou a força do vento.
Deixem-se os que não são desta Terra, os que não entendem ou que fazem pouco caso das costas curvadas de um homem e de sua mulher- meninos também os há- que se encostam à sombra de um sobreiro, azinheira que seja, que é grande a calma, tão vastos os trabalhos, para uma merecida sesta, quando ela é possível.
É pois do tempo que se gera tempo, que se pare a vida, uma hora vagarosa atrás de tantas outras, fazendo desta Terra uma obra serena, quadro pintado dos matizes puros dos dias.
Copiado do blog da nossa comadre Ana Terra, http://aterradaana.blogspot.pt/
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