quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

Recordações de Natal (By João Mestre de Avis)



2ª CRÓNICA DA 2ª SÉRIE - JOÃO MESTRE DE AVIS
Uma Iniciativa do grupo do Facebook "Imagens do Alentejo",
RECORDAÇÕES DE NATAL
O PRESÉPIO
Mais um Natal se aproxima...
É chegada a época de preparar a festa. Por tradição bem alentejana a vivência do Natal remete para o Presépio. Foi sempre assim na minha meninice e juventude e mesmo hoje, longe no espaço e no tempo, o Presépio continua a ser sinónimo de Natal. Parece mentira, mas sobre aquilo de que vou falar já passaram mais de sessenta anos...
Nos sábados à tarde, nos finais de Novembro, um bando alegre de
crianças corria de cestos na mão saindo da igreja e dirigindo-se cheias de entusiasmo à zona da ribeira onde havia rochas, velhas árvores e muros antigos.
- Mas qual era o objetivo de toda esta entusiástica atividade? Nem mais nem menos do que apanhar musgo e ramos de era para fazer o Presépio grande da igreja!
Na verdade, naquela época "construía-se" um grande e lindo presépio junto do Altar-Mor da igreja. Quem entrava na sua nave principal e olhava para aquele altar, o presépio ficava do lado esquerdo.
Era uma pequena/grande obra que resultava do esforço e do entusiasmo das crianças e de alguns adultos. Para o efeito, montava-se uma estrutura irregular com mesas e outros objetos que eram depois cobertos com panos que existiam na igreja. O musgo e a era que havíamos colhido nas rochas e muros serviam então para cobrir toda a estrutura de forma a tornar aquele canto da igreja num "presépio maravilhoso":
- A gruta com o Menino Jesus deitado na manjedoura; os Pais, Nossa Senhora e S. José, numa posição de adoração e logo atrás, o burro e a vaquinha que aqueciam o Menino com o seu bafo;
- Depois, ao longo de toda a paisagem coberta de musgo, apareciam os Reis Magos montados em camelos, os pastores, as ovelhas, a ribeira, o castelo, os caminhos e subindo sempre…sempre…uma Estrela que continuava a subir até onde a nossa imaginação e encantamento de meninos com olhos muito abertos nos podiam levar...
Era lindo aquele Presépio tradicional, pois nele estava também um pouco do nosso amor, um pouco da alma de cada um de nós... E, por isso, tantos anos depois, me recordo dele e das outras crianças do meu tempo que comigo partilhavam a sua construção. Ainda hoje, mesmo longe da minha amada terra, aquele Presépio tão simples mas tão lindo me vem à memória e sempre tem feito parte de todos os meus Natais. Este ano mais uma vez assim vai ser e a magia irá repetir-se…
Depois de construído o Presépio, a ansiedade da criançada crescia a cada dia que passava e com a proximidade da desejada noite de Natal. Ninguém se esquecia de pôr o sapatinho na chaminé!… É maravilhoso poder recordar aquelas horas de felicidade em que nem o sono nem o cansaço nos conseguiam vencer porque mesmo a dormir sonhávamos com o Menino Jesus e as prendas, fossem elas poucas e humildes, isso não importava…
Entretanto, na noite de Natal, passada em família, com todos sentados em redor da chaminé no calor aconchegante do lume onde crepitavam as chamas do maior madeiro guardado para essa ocasião, havia um outro momento que chamava toda a gente da vila: a Missa do Galo!


Grupo Coral Misto da ACA - Associação de Cante Alentejano Os Cardadores
 
MISSA DO GALO
Todos sabemos como são frias e longas as noites de inverno no Alentejo, mas é um espetáculo inesquecível e incomparável o espraiar do luar ao longo da planície beijando, a espaços, as copas redondas das oliveiras. A paz espalha-se pelo campo e essa paz "vive-se" no interior de cada casa da vila e dos "montes" onde as chaminés fumegam.
Quase meia-noite!
O silêncio é quebrado pelo toque dos sinos que repicam por sobre os telhados chamando para a missa. Grupos de mulheres e homens envoltos em roupas grossas e capotes, corpos inclinados para a frente tentando fugir ao frio, caminham apressadamente. Dirigem-se à igreja para assistirem à Missa do Galo.
A Missa do Galo é uma celebração religiosa tradicional que se realiza à meia-noite do dia 24 de Dezembro e que celebra o nascimento de Jesus Cristo. No final da missa, a imagem do Menino Jesus é apresentada pelo Padre e beijada por quem o desejar…
No silêncio da noite, envolvente e fria, ecoam cânticos que encantam as crianças e cuja origem se perde nos idos da tradição:
"Ó meu Menino Jesus
Ó meu menino tão belo
Logo vieste nascer
Na noite do caramelo."...
A Igreja é testemunha muda de gerações e gerações de alentejanos que, naquela noite, comungaram da mesma fé e dos mesmos anseios e desejos. Enche-se de gente, não só de mulheres mas também de homens que habitualmente não vão à missa dominical. À frente, nos bancos, sentam-se as mulheres; atrás, numa zona quase sempre vazia permanecem de pé os homens; estáticos, em silêncio respeitoso, de semblante porventura mais doce... Paira sobre eles uma profunda e ancestral interrogação:
- O que os leva àquele lugar, naquela noite?
- Que tradição os impele, os domina?
A resposta certamente se perde na memória dos tempos...mas no fundo, lá bem no mais profundo do seu ser todos voltam a ser crianças e a imaginar-se de novo a viver no aconchego da família, protegidos pelo amor dos Pais e acalentando a esperança dum mundo melhor, mais fraterno e justo...
Finda a missa e após o beijo tradicional na imagem do Menino, uma última vista de olhos ao Presépio e, ao som dos cânticos tradicionais, começa o regresso a casa. Segue-se a consoada, o sono inquieto, ansioso e sonhador das crianças...
- Que prendas, na manhã seguinte, irão estar no sapatinho?
E o sono chega, mas o sonho, esse, vai ficar no seu coração e permanece, às vezes, como no meu caso, escondido ao longo de toda a vida...
FELIZ NATAL para todos!
João Mestre de Avis (15-12-2015)

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