segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Colher da Conversada


COLHER DE CONVERSADA.

Peça de arte pastoril em madeira (4,3 x 1 x 16,7 cm).
Colecção de Hernâni Matos.


Talvez esta colher não encerre em si própria, mensagens iniciáticas que passem pela descoberta de proporções áureas ou até mesmo mágicas, que nos possam guiar na descoberta da pedra filosofal. Se calhar, através dela não chegaremos nunca à descoberta do valor de “pi” ou de “g”. Provavelmente, ela não encerrará também em si, segredos milenares como os das pirâmides de Gisé ou das estátuas gigantes da ilha da Páscoa. Todavia, na sua integral simetria, cromaticamente realçada pelo vermelho e pelo verde da bandeira verde-rubra, ela revela-nos toda a ânsia de harmonia que atravessou a alma e animou a navalha dum construtor de sonhos, navegante do espaço e do tempo, na imensidão da charneca alentejana, ao qual se convencionou chamar pastor e do qual rezam os adágios:
- “Quem não tem que fazer, faz colheres”.
Harmoniosa simetria axial povoada por motivos geométricos e vegetalistas, finamente bordados. A geometria enquanto símbolo do equilíbrio tão necessário à vida harmoniosa e os elementos vegetais a representar a ligação à Terra-Mãe donde tudo provém. Ao fundo, dois rabanetes, metade raiz, metade folhas, metade terrestre, metade aérea. A sacro-santa ligação à Terra-Mãe e a ânsia de se libertar dela. As amarras ao material e a ânsia de libertação pela elevação espiritual.
Duas metades que são imagens espelhadas uma da outra, como se de almas gémeas se tratasse.
No eixo central da colher, unem-se os corpos cujos corações (rabanetes) palpitam e simbolizam o amor correspondido, que virá a ser consumado com os dois corações a palpitar como um só, já que a colher termina por uma concha, ela própria com a forma de coração.
Pela sua riqueza plástica e por todo o simbolismo vislumbrado, trata-se, sem dúvida, duma prenda que um camponês ofereceu à sua conversada, que na comunhão do amor perene, a terá usado e provavelmente ostentado com orgulho, como forma de selar a sua condição de conversada do ofertante. Quem sabe se este, porventura preso de amores por ela, não lhe terá dito na ocasião:
 
“O teu coração é lima,
O teu corpo é limoeiro,
Os teus braços são cadeias
Onde eu vivo prisioneiro.” [1]

BIBLIOGRAFIA
[1] – THOMAZ PIRES, A. Cantos Populares Portugueses, vol. II. Typographia Progresso. Elvas, 1905.




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