Colhe-se com Amor e ama-se o que se colhe, chame-se trigo, melão ou feijão meloal; batata, cebola, tomate maduro ou até beldroegas. A tudo se dá forma, se dignifica com mil cuidados que vão da delicadeza da mão de quem os toca a vez primeira debaixo do sol quente, até que borbulhe em panela de barro ou de ferro pesado num calor que é mais brasido, dos fogões com ventre de lenha ou no borralho da chaminé.
Todo o processo é pretexto para renovar o que se sabe, fazer de novo o que já é hábito e sentir o (re)conforto de voltar ao mesmo lugar, de sentir o mesmo toque, sabor, odor que o corpo já tão bem conhece. Azeitona, uva, bolota. Os frutos da miséria que regressam à casa dos sentidos, são para os da Terra como marcas, tatuagens, imagens de filhos em retratos animados de cor e cheiro.
O esqueleto sabe as voltas do cajado, moldou-se ao movimento da foice, contorna os limites do panal e debaixo dos panos escuros, chapéus de palha, faz correr rios de suor por entre as curvas da pele. Trabalha como quem dança, com passos e gestos precisos, de quem já o faz há mais tempo do que o que se recorda, para num momento de êxtase, se dobrar, agachado ou de joelhos no chão, a ver despontar um raio de luz sob a forma de árvore, planta, esperança.
A Terra move-se continuamente, pulsa, o seu centro lateja, rompem-se os torrões secos , voltam a desbravar-se caminhos velhos e reconstrói-se o que já existe. Faz-se mais e melhor, usam-se os braços, repousam flores, cabeças pequenas em regaços. E no fim, quando o dia acaba, o sol se põe em ocasos roxos e os passos ainda são muitos nas terras da Terra até que se aviste o fio fino de fumo da chaminé caiada, os olhos semicerram-se, o nariz e a boca abrem-se levemente para inspirar os aromas que o vento traz: uma sopa quente, a terra molhada, o ar seco, a água que corre na ribeira, cheia pela chuva incansável do Inverno ou por algum milagroso aguaceiro de Verão.
Para os de cá, o Amor é isto: é imensidão, é vasto, é planície. E no entanto cabe no espaço oco entre duas mãos que se juntam para colher a primeira flor, o primeiro fruto que nasce da Terra.
Texto copiado do blog da nossa comadre Ana Terra, http://aterradaana.blogspot.pt/
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